quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Morre Tzvetan Todorov (1939-2017)

Tzvetan Todorov nasceu na Bulgária, mas se refugiou na França aos 23 anos, e lá fez sua carreira

Morreu ontem um dos críticos com quem mais aprendi sobre literatura e que me deu ferramentas para pensar o mundo, Tzvetan Todorov (1939-2017). Ele tinha 77 anos e morreu por complicações da doença neurodegenerativa que ele sofria, chamada Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS).

Seu livro O homem desenraizado (L' homme dépaysé) me deu compreensão do que sou; seu livro A conquista da América: a questão do outro me fez entender uma porção de coisas sobre a alteridade, além de ter tiradas trágicas que parecem cômicas, como esta: “Os espanhóis nunca respeitaram a própria palavra ou a verdade em relação aos índios, de modo que ‘mentiroso’ e ‘cristão’ tornaram-se sinônimos. Quando os espanhóis perguntavam aos índios se eram cristãos, o índio respondia: ‘Sim, senhor, já sou um pouco cristão, pois já sei mentir um pouco; um dia saberei mentir muito e serei muito cristão.’”

Todorov dizia: “Não podemos conceber uma linguagem sem a possibilidade da mentira, assim como não há palavra que ignore as metáforas.”

Ele foi perseguido pelo regime comunista da Bulgária, seu país de origem, quando ainda era jovem, mas mais do que perseguido, testemunhou o sistema de perseguição e tortura instaurado dentro do governo búlgaro que se espalhou pela nervura da sociedade, em que um vizinho denunciava o outro como comunista só para ver sua derrota. Fugiu para a França e lá fez toda sua carreira de intelectual.

Sua tese de doutorado resultou no livro A conquista da América, e já no começo ele diz: “Não tenho outro meio de responder à pergunta de como comportar em relação a outrem a não ser contando uma história exemplar.” A tese é a de que “é a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente.” Ou seja, uma identidade forjada na cultura híbrida. “Apesar de nem sempre sermos bilíngues, somos inevitavelmente bi ou triculturais.” E foi a partir daí que se começou a pensar na questão do outro - da diferença - no Ocidente.

Segundo Todorov, “a descoberta da América, ou melhor, a dos americanos, é sem dúvida o encontro mais surpreendente de nossa história. Na ‘descoberta’ dos outros continentes e dos outros homens não existe, realmente, este sentimento radical de estranheza.” Esse estranhamento gerou um conflito ímpar, e um sistema de dominação radical que deu ao século XVI o ranking nefasto do maior genocídio da história da humanidade.

“Em 1500”, comenta o autor, “a população do globo deve ser da ordem de 400 milhões, dos quais 80 [milhões] habitam as Américas. Em meados do século XVI, desses 80 milhões, restam 10 [milhões]. Ou seja, se nos restringirmos ao México: às vésperas da conquista, sua população é de aproximadamente 25 milhões; em 1600, é de 1 milhão.”

O último livro que li dele foi A beleza salvará o mundo. Depois, ele publicou outros muito importantes que ainda não tive o privilégio de ler. A literatura em perigo, As estruturas narrativas, além de Goya à sombra das luzes, O medo dos bárbaros e Os inimigos íntimos da democracia fazem parte de sua vasta bibliografia e são livros que merecem ser lidos.

Que descanse em paz!

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