Tzvetan Todorov nasceu na Bulgária, mas se refugiou na França aos 23 anos, e lá fez sua carreira |
Morreu
ontem um dos críticos com quem mais aprendi sobre literatura e que me deu
ferramentas para pensar o mundo, Tzvetan Todorov (1939-2017). Ele tinha 77 anos
e morreu por complicações da doença neurodegenerativa que ele sofria, chamada
Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS).
Seu
livro O homem desenraizado (L' homme
dépaysé) me deu compreensão do que sou; seu livro A conquista da América: a questão do outro me fez entender uma
porção de coisas sobre a alteridade, além de ter tiradas trágicas que parecem
cômicas, como esta: “Os espanhóis nunca respeitaram a própria palavra ou a
verdade em relação aos índios, de modo que ‘mentiroso’ e ‘cristão’ tornaram-se
sinônimos. Quando os espanhóis perguntavam aos índios se eram cristãos, o índio
respondia: ‘Sim, senhor, já sou um pouco cristão, pois já sei mentir um pouco;
um dia saberei mentir muito e serei muito cristão.’”
Todorov
dizia: “Não podemos conceber uma linguagem sem a possibilidade da mentira,
assim como não há palavra que ignore as metáforas.”
Ele
foi perseguido pelo regime comunista da Bulgária, seu país de origem, quando
ainda era jovem, mas mais do que perseguido, testemunhou o sistema de
perseguição e tortura instaurado dentro do governo búlgaro que se espalhou pela
nervura da sociedade, em que um vizinho denunciava o outro como comunista só
para ver sua derrota. Fugiu para a França e lá fez toda sua carreira de
intelectual.
Sua
tese de doutorado resultou no livro A conquista
da América, e já no começo ele diz: “Não tenho outro meio de responder à
pergunta de como comportar em relação a outrem a não ser contando uma história
exemplar.” A tese é a de que “é a conquista da América que anuncia e funda
nossa identidade presente.” Ou seja, uma identidade forjada na cultura híbrida.
“Apesar de nem sempre sermos bilíngues, somos inevitavelmente bi ou triculturais.”
E foi a partir daí que se começou a pensar na questão do outro - da diferença -
no Ocidente.
Segundo
Todorov, “a descoberta da América, ou melhor, a dos americanos, é sem dúvida o
encontro mais surpreendente de nossa história. Na ‘descoberta’ dos outros
continentes e dos outros homens não existe, realmente, este sentimento radical
de estranheza.” Esse estranhamento gerou um conflito ímpar, e um sistema de
dominação radical que deu ao século XVI o ranking nefasto do maior genocídio da
história da humanidade.
“Em
1500”, comenta o autor, “a população do globo deve ser da ordem de 400 milhões,
dos quais 80 [milhões] habitam as Américas. Em meados do século XVI, desses 80
milhões, restam 10 [milhões]. Ou seja, se nos restringirmos ao México: às
vésperas da conquista, sua população é de aproximadamente 25 milhões; em 1600,
é de 1 milhão.”
O
último livro que li dele foi A beleza salvará o mundo. Depois, ele publicou outros muito importantes que ainda não
tive o privilégio de ler. A literatura em
perigo, As estruturas narrativas,
além de Goya à sombra das luzes, O medo dos bárbaros e Os inimigos íntimos da democracia fazem
parte de sua vasta bibliografia e são livros que merecem ser lidos.
Que
descanse em paz!
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