domingo, 13 de março de 2011

Os frasistas

Eco e Carrière: dois grandes leitores e frasistas

Não contem com o fim do livro (Record, 2010, 272 páginas, tradução de André Telles) é um diálogo entre duas inteligências: o historiador por formação, roteirista e escritor Jean-Claude Carrière, e o escritor e semiólogo Umberto Eco. Na conversa dos dois podemos pescar várias frases interessantes.

Sobre Eco, até que já sabemos mais sobre suas tiradas. É Carrière que me surpreende nesse livro. Autor de roteiros de filmes inesquecíveis como O fantasma da liberdade e Esse obscuro objeto de desejo, de Luis Buñuel, ele também é um grande frasista.

Eu já havia percebido alguns lampejos de suas frases em Prática do roteiro cinematográfico, que publicou junto com Pascal Bonitzer. Ali, é possível lermos coisas do tipo: “Se um autor escreve apenas para si mesmo, que não venha depois queixar-se de ficar sozinho.” Realmente gostei disso.

“O cinema é o homem que chega a cavalo numa cidade do Oeste e nada sabemos a seu respeito. Aos poucos, ele vai se definir, pelos gestos e os olhares.” Também esta se lê na Prática do roteiro.

Já em Não contem com o fim do livro, pela natureza da conversa, em torno de livros, linguagem e cultura, o relevo de suas frases é mais constante. “A técnica não é de forma alguma uma facilidade. É uma exigência”, diz Carrière a propósito da diferença de linguagem entre romance e roteiro, ou seja, literatura e cinema.

Vejamos uma série de ambos.

Jean-Claude Carrière

O saber é tudo com que somos entupidos e que nem sempre tem uma utilidade. O conhecimento é a transformação de um saber numa experiência de vida. Não sei se concordo com ele. Acho que o significado disso está na inversão do significado que se dá a conhecimento e saber. Mas é um diálogo.

O gênio isolado parece inconcebível. (...) Se um autor quiser evitar ser vítima de uma filtragem, é aconselhável que se alie, se filie a um grupo, que não fique isolado.

Cada época tem sua verdade de um lado e suas notórias imbecilidades do outro.

Ninguém chama impunemente o outro de imbecil sem se dar conta de que a burrice alheia é nada menos do que um espelho que nos reflete. Um espelho permanente, preciso e fiel.

O futuro dos ditadores é sombrio. Eles terão que agir numa escuridão profunda. Disse isso a respeito da permeabilidade da internet, que não reconhece censura por muito tempo. Nesse sentido, pode ser um contra-argumento ao que diz Umberto Eco sobre a internet também, e que pode ser lido mais abaixo.

Se quiser que se lembrem de você, você tem que escrever. Escrever e providenciar para que seus escritos não desapareçam em alguma fornalha.

Nada mais fácil de travestir do que a verdade.

A palavra não passa de uma porção irrequieta da frase, uma viela rumo ao sentido, uma vertigem da ideia que passa. Bravo! É uma bela frase, mas receio que não seja bem assim.

A palavra se isola e se entrelaça com absolta facilidade, se tornando grito e sussurro num átimo, arma e bálsamo, veneno e cura. Só a palavra, apenas ela. Na frase ou solitariamente, a depender do texto ou do contexto.

Umberto Eco

Qualquer discussão entre nós só pode se dar tendo como base uma enciclopédia comum.” Mais adiante ele sugere que a internet está no contrapé desta ideia, porque, segundo ele, a internet “contribuiu para o esfacelamento da experiência comum.

Neste caso, concordo em parte, porque, a meu ver, a internet é uma espécie de quarto escuro da consciência, em que há muita gente, ou todo mundo, podendo entrar mais, ou sair, a qualquer momento. Mas só se sabe disso ao acender a luz, como quando se acessa um site, ou um blog, enfim.

Por outro lado, pela perspectiva do oceano da informação, cada um tem sua ilha. E é aí que concordo com Eco. A internet pode afastar as pessoas da experiência comum, pode alienar o sujeito da afetividade, por exemplo. Mas também pode fazer o contrário disso. É o pluriverso.

Coleciono, como já disse, tudo que se refere à ciência falsa, charlatã, oculta, bem como às línguas imaginárias. (...) Sou fascinado pelo erro, pela má-fé e pela estupidez.

A religião é a cocaína do povo. Ela excita as massas.

Uma coleção de livros é um fenômeno masturbatório, solitário, e você raramente encontra pessoas com quem dividir sua paixão.