terça-feira, 24 de novembro de 2009

Paul Auster na New Yorker

The New Yorker

Roger Phaedo não conversou com ninguém durante dez anos. Ele ficou confinado em seu apartamento no Brooklyn, traduzindo e retraduzindo obsessivamente a mesma passagem das ‘Confissões’ de Rousseau. Uma década antes, um gângster chamado Charlie Dark havia atacado Phaedo e a esposa. Phaedo apanhou tanto que sua vida ficou por um fio. Mary foi queimada, e só conseguiu sobreviver depois de passar cinco dias na UTI.

Durante o dia, Phaedo traduzia. À noite, ele trabalhava num romance sobre Charlie Dark, que nunca foi preso. Phaedo passou a beber incondicionalmente o seu uísque. Ele bebia para afogar as mágoas, para adormecer as lembranças, para esquecer de si mesmo. O telefone tocava, mas ele nunca atendia.

Às vezes, a vizinha Holly Steiner, uma mulher atraente, silenciosamente entrava no quarto dele e habilmente o tirava daquele estupor. Outras vezes, ele usava os serviços de uma prostituta local chamada Aleesha.

Os olhos de Aleesha eram duros demais, cínicos demais, e traziam o olhar de alguém que já tinha visto muita coisa na vida. Apesar disso, Aleesha tinha uma estranha semelhança com Holly, como se fosse um duplo de Holly. E foi justamente Aleesha que trouxe Phaedo de volta à escuridão.

Uma tarde, andando nua pelo apartamento de Phaedo, ela se deparou com dois grandes manuscritos, um em cima do outro. Um deles era a tradução de Rousseau, todas as páginas traziam as mesmas palavras. O outro era o romance sobre Charlie Dark. Ela começou a folhear o romance. ‘Charlie Dark!’, exclamou.

‘Conheci Charlie Dark! Ele era osso duro de roer. Aquele filho da mãe fazia parte da gangue de Paul Auster. Adoraria ler este livro, meu querido, mas sempre tenho preguiça de ler livros grossos. Por que você não lê pra mim?’

Foi assim que os dez anos de silêncio foram quebrados. Phaedo decidiu agradar Aleesha. Ele se sentou e começou a ler o parágrafo deste romance, o romance que você acabou de ler.

É com esse trecho, parodiando a ficção de Paul Auster, que o escritor James Wood abre a longa crítica, na revista The New Yorker, sobre o autor de Homem no escuro.

Tive o trabalho de fazer a parca tradução só para mostrar o quanto é agradável ler os textos da revista novaiorquina. Wood faz uma leitura exemplar da literatura de Auster, analisando ponto por ponto o estilo, as fontes e a metacrítica dos romances dele.

A ironia, a influência ao mesmo tempo de Cervantes e Borges, que por sua vez também admirava o espanhol, tendo inclusive escrito o conto Pierre Menard, o autor de Dom Quixote. É claro que no centro da intenção de Wood está o lançamento do mais recente romance de Auster, Invisible. Para quem gosta desse autor cheio de angústia e de repetições milimetricamente pensadas, eis uma expectativa. Logo, logo chegará ao Brasil, sem dúvida.

4 comentários:

Unknown disse...

Cara, que delícia esse trecho. Não sabia que a The New Yorker tem coisas tão legais, literariamente carregadas assim.

Obrigado e abraço.

Gilberto G. Pereira disse...

Pois é, Marcelo. Essa revista é uma escola. Philip Gourevitch, John Lee Anderson, Lilian Ross, Anthony Lane, esse pessoal todo mantém a chama do jornalismo cultural e do embedded journalism mais bem feito na terra (pelo menos na minha opinião).
Abraço!

Leila Silva disse...

Interessante, muito interessante. Eu também gosto muito de The New Yorker, temos várias aqui na escola, mas claro que os alunos não se interessam por elas. Eu entendo, nem sempre é fácil de ler e literatura está definitivamente fora de moda por aqui.


Um bom fim de semana para você.

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Leila! Bom fim de semana pra você também!
Um abraço!