quinta-feira, 8 de junho de 2017

Autora de O Deus das pequenas coisas volta à ficção, 20 anos depois


Em 1997, a escritora indiana Arundhati Roy publicou O Deus das pequenas coisas, e com ele ganhou o mundo e o Booker Prize. Ficou mais de 20 anos sem escrever ficção, dedicando-se a causas mais nobres, como defesa do meio ambiente e luta por uma vida melhor dos pobres de seu país. De lá para cá, seu romance já vendeu mais de 6 milhões de exemplares.

Nasceu numa família pobre e fendida pelas diferenças culturais numa Índia preconceituosa, machista e separada por castas. Sua mãe abandonou o pai alcóolatra quando Arundhati ainda tinha 2 anos. Ela mesma saiu de casa aos 16 e foi morar em Délhi, numa favela, que era onde podia pagar moradia, enquanto estudava arquitetura. Formou-se, casou-se com um arquiteto e os dois foram morar em Goa. Depois se separou dele. Casou com outro e mudou-se de volta a Délhi.

Depois de publicar O Deus das pequenas coisas, aos 35, ela escreveu vários livros de engajamento político. Agora, em 2017, Arundhati reaparece para a ficção com O ministério da felicidade absoluta, já traduzido para o português pela Companhia das Letras (tradução de José Rubens Siqueira), cujo lançamento está previsto para o final de junho.

Se no primeiro romance, Arundhati tratava da disfunção familiar, que empurra os indivíduos para situações de extrema carência, neste, a autora penetra o universo da sexualidade e da problemática de gênero, colocando no centro da trama uma personagem hermafrodita. “Elas (as hermafroditas) são a fantasia, a diversão, e ao mesmo tempo, são a metáfora-guia da tristeza no livro”, diz a resenhista Joan Acocella, da revista americana The New Yorker, na edição desta semana.

Mas não é só isso. O pano de fundo do novo romance é a pobreza e a degradação ambiental. “A nova Índia foi toda construída às custas dos pobres”, diz Joan Acocella, citando Arundhati.

A resenha da New Yorker é extensa, como soem todas as ótimas resenhas da revista americana, e muito positiva sobre o romance de Arundhati, que Joan Acocella diz ser um retorno furioso e reparador da cicatriz indiana em relação às mazelas do país.

O ministério da felicidade absoluta é sobre a Índia, sobre sua política da segunda metade do século passado e sobre o fato de que sua dor é nacional”, diz a resenhista. Mas “em seu novo romance, como no anterior, o que é marcante é o gênio comparativo da autora”, completa.

Joan Acocella comenta uma metáfora arrebatadora do começo do romance sobre como a corrosão social e ambiental agem fortemente na Índia. As pessoas se alimentam de veneno, o veneno existe até no sorvete, e morrem envenenadas sem saber exatamente disso. Os urubus, que vivem da morte, estão morrendo porque estão se alimentando de restos da produção industrial, da poluição, diz ela.

A metáfora do urubu morrendo é forte porque, “uma vez que comemos nosso sorvete e morremos, não haverá ninguém que limpe a sujeira da morte, onde caímos, porque os urubus morrerão antes de nós”, comenta Joan Acocella.

A trama da hermafrodita se constrói dentro desse universo de pobreza, preconceito e rejeição. “O livro começa mostrando Jahanara Begum nos anos 1950, grávida, mãe de três filhas, durante seis anos ansiando por ter um filho”, comenta Joan Acocella.

A mulher entra em trabalho de parto. “Logo a parteira dá-lhe a notícia de que ela havia realizado seu sonho. Era mãe de um menino. Aquela noite foi a mais feliz de sua vida. Pela manhã, a mãe tira os panos do bebê e explora ‘seu corpinho – olhos, nariz, cabeça, pescoço, axilas, dedos das mãos, dos pés – com um demorado e satisfeito ar de felicidade. Foi quando ela descobriu, escondidinha nas partes masculinas do bebê, uma pequena e inacabada parte feminina.’ Seu coração gela. Ela estragou tudo. Seu filho é uma hermafrodita.”

“Jahanara pensa que talvez a parte feminina desapareça”, comenta Joan Acocella. “Mas mês após mês, ano após ano, ela permanece lá, e enquanto o menino, Aftab, cresce, ele se torna inequivocamente uma menina.” E por aí vai.

Por enquanto, no site da editora Companhia das Letras, só aparecem a capa do livro (conforme se vê na abertura deste texto) e um pequeno texto de apresentação, sem data de lançamento. No site da Amazon Brasil, há a informação de que o livro estará disponível a partir de 29 de junho, com encomendas já podendo ser feitas.


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