Foi assim. Tudo começou quando a mulher do sultão Shahzaman o traiu com um ajudante de cozinha, lá na sua terra, Samarcanda (atual região do Uzbequistão), no momento em que ele se preparava para ir visitar o irmão mais velho, o rei Shariyar. Este reinava soberanamente um império de vastas terras que iam da Pérsia até a Indochina, e cuja sede ficava na Índia.
Chegando ao reino de Shariyar, Shahzaman disse ao irmão
que todas as mulheres traíam os maridos, e o convenceu a armar um flagrante
contra a cunhada. Os dois fingiram ir caçar. Voltaram à noite, e o poderoso
Shariyar viu sua mulher transando com um escravo negro.
Os irmãos, então, decidiram procurar alguém que fosse mais
infeliz que eles dois juntos. No caminho, encontraram um ifrit (demônio, gênio)
dormindo. A mulher do ifrit, uma “bela jovem de membros gentis, um doce sorriso
no rosto de lua cheia”, estava presa. Eles a soltaram. Ela disse aos dois que
transassem com ela, caso contrário, ia acordar o ifrit.
Depois do sexo, a mulher disse: “Deem-me seus anéis para
que eu os junte com esses outros e complete cem anéis; assim, cem homens terão
me descoberto bem no meio dos cornos desse ifrit nojento e chifrudo.” E ainda
vaticinou: “Quando a mulher deseja alguma coisa, ninguém pode impedi-la.”
Depois dessa demonização feminina, Shariyar não teve
dúvida. Mandou seu vizir (espécie de administrador-geral, primeiro-ministro)
assassinar a rainha. “E tomou a resolução de não se manter casado senão uma
única noite: ao amanhecer, mataria a mulher a fim de manter-se a salvo de sua
perversidade e perfídia.” E assim ele foi se casando e matando suas esposas.
Matou filhas de nobres, de chefes militares e de mercadores da cidade.
O vizir tinha duas filhas, Sherazade, a mais velha, e a
caçula Duniazade. A violência havia atingido todos os níveis sociais, e o reino
estava sombrio. Sherazade, então, pediu ao pai que desse sua mão ao rei sedento
de sangue. “Quer morrer?”, perguntou o vizir. Sherazade disse que sabia o que
fazer para acabar com a série de assassinatos e salvar outras moças.
Sherazade casou-se com Shariyar, mas antes combinou com
Duniazade o seguinte: “Minha irmãzinha, preste bem atenção no que vou lhe
recomendar: assim que eu subir até o rei, vou mandar chamá-la. Você subirá e,
quando vir que o rei já se satisfez em mim, diga-me: ‘Ó, irmãzinha, se você não
estiver dormindo, conte-me uma historinha.’ Então, eu contarei a vocês
histórias que serão motivo da minha salvação e da liberdade de toda esta
nação.”
A partir daí, cria-se uma trama intrigante e cômica, que
subjaz ao texto principal, e vai até o fim. Na noite de núpcias, Sherazade diz
ao rei que quer se despedir de sua irmã, e ele aceita que Duniazade entre nos
aposentos reais e fique debaixo da cama, enquanto os dois transam.
Depois de ouvir o gozo do casal, Duniazade sai debaixo da
cama e pede à irmã que conte uma história. Shariyar consente, e Sherazade
começa sua narrativa incrível, que atravessa a noite. Duniazade serve como uma
espécie de assistente de palco, encarregando-se em sempre dizer: “Como é
agradável e insólita a sua história, irmãzinha!”
Nem sempre uma história fica pela metade. Quando o fim da
narração coincide com o fim da história, o que permanece em suspense é a
promessa de Sherazade de contar na noite seguinte uma história mais
arrebatadora que a anterior.
De retalhos e
atalhos
Desse modo, o leitor entra no universo fabuloso da
literatura árabe clássica, o mundo do Livro
das mil e uma noites. Até hoje, muitos só o conhecem em versões infantis,
de compilações a partir do francês ou do inglês, e por algumas histórias
vertidas para o cinema, como Aladdin
e Sinbad - a lenda dos Sete Mares.
Mas é uma obra muito maior e mais importante que isso. Escrito, aliás, num
estilo pouco apropriado para o público da Disney.
Em 2005, a série de histórias começou a aparecer em sua
totalidade na língua portuguesa, graças à tradução direta do árabe feita por
Mamede Mustafa Jarouche, professor da Universidade de São Paulo (USP). Em 2012,
ele finalizou o quarto e último volume (Editora Globo, selo Biblioteca Azul).
Algumas coletâneas incluem Ali Babá e os 40 ladrões na lista das narrativas do Livro das mil e uma noites, mas,
segundo Jarouche, esta história não está presente nem nos manuscritos originais
do ramo sírio (século XIII), fonte usada para a tradução dos dois primeiros
volumes, nem nas outras quatro edições árabes consolidadas em que aparecem também
os contos do ramo egípcio (dividido em antigo e tardio, elaborado a partir do
século XVIII, que completam as mil e uma noites do título, sequestrando
histórias de outros livros como Kalila e
Dimna e Histórias espantosas e
crônicas maravilhosas). Mesmo assim, Jarouche anexou o conto no final do
quarto volume.
A princípio, Jarouche e seus editores planejavam publicar em
cinco volumes a obra completa. Ele chega a comentar isso no prefácio do
primeiro livro. Mas depois, viu-se que poderia finalizar a edição em quatro
volumes mesmo. E deu tudo certo. No prefácio do quarto volume, ele cita uma
curiosidade, de que a primeira pessoa a traduzir diretamente do árabe algumas
histórias das Mil e uma noites foi
Dom Pedro II.
O Livro das mil e
uma noites é de autoria desconhecida, e, pelas razões já descritas, sabe-se
que é uma obra coletiva, que remonta à cultura persa, antes de imergir no
imaginário árabe e ser completada por copistas caprichosos desde Bagdá e Cairo.
Em todo caso, essa volumosa narrativa serviu nos últimos
séculos como arquétipos consumidos pelos grandes autores modernos do Ocidente,
de Laurence Sterne, Jonathan Swift e Machado de Assis a Dostoiévski e Marcel
Proust. Há histórias cujos grãos essenciais lembram enredos de Shakespeare, como
A megera domada; outras, lembram os
pícaros nordestinos, como João Grilo e Pedro Malasartes.
O espectro da narrativa do Livro das mil e uma noites é imenso e profundo. O leitor pode escolher
em que vai se concentrar. Em relação a espaço e tempo, as histórias são
ambientadas em lugares diversos que vão da China ao Iêmen, passando por Índia,
Afeganistão, Turcomenistão, Uzbequistão, Irã, Iraque, Arábia Saudita,
Argélia, Egito e Síria, num prisma
temporal que capta a essência mitológica dos mundos árabe, persa e grego, além
da abrangência histórica desde o século IX, pelo menos.
Princípios de moralidade, comportamento, crítica social e
política, mostrando como a alma árabe se relaciona com o poder (este, com
arroubos de tirania e bondade impressionantes) podem ser acompanhados na
leitura.
Além disso, podem-se distinguir com clareza a figura da
mulher (em meio ao machismo reinante), os matizes do realismo fantástico, as
intertextualidades, as figuras do judeu e do negro, quase sempre de modo
pejorativo (inclusive levantando um perfil histórico bastante revelador da
prática da escravidão do homem africano no mundo árabe desde esse tempo), bem
como a valorização da poesia e da cultura árabes. O Leituras vai explorar, em sequências posteriores, cada uma dessas
particularidades da narrativa.
Grandezas
Cada volume traz na quarta capa um escritor brasileiro
fazendo sua leitura do grande texto. Nessa ordem, Milton Hatoum, Ignácio de
Loyola Brandão, Ferreira Gullar e Alberto Mussa falam de suas experiências de
contato com as histórias do Livro das
mil e uma noites.
Para Hatoum, escritor brasileiro de origem árabe (libanesa),
Jarouche captou o ritmo e a melodia do original. “E assim o leitor se depara
com tramas ardilosas e escabrosas, cheias de fantasia e surpresa, numa
geografia mutável e exuberante como num sonho ou pesadelo.”
Brandão diz que o Livro
das mil e uma noites “antecipou a estrutura dos folhetins, das telenovelas
e dos velhos filmes seriados.” E, ao comentar o motivo da narradora, diz: “A
palavra nos salva, nos torna imortais, porque, transformada em narrativa,
permanece além de nós até a eternidade.”
Segundo Ferreira Gullar, a obra traz consigo a gênese do
suspense, por fazer que “a narradora interrompa a narração antes do desfecho
para, com isso, adiar a própria morte.” Já Alberto Mussa, outro escritor
brasileiro de origem árabe, e estudioso a fundo dessa cultura, reivindica a
essência árabe do livro, rebatendo a tese de que ele traz arquétipos persas. E
elogia a tradução de Jarouche, dizendo: “Há muito tempo a comunidade de língua
portuguesa – idioma que tanto deve ao árabe – merecia uma tradução digna da grandeza
do livro.”
A grafia dos nomes dos personagens na tradução de Mamede
Jarouche é complexa. O tradutor não quis ser tão traidor e tentou aproximar sua
dicção da do original. Para não truncar o texto, com explicações desse tipo, busquei
na internet a grafia mais fácil.
Logo, como já se viu na abertura deste texto, Šāhrāzād, a heroína, virou Sherazade, sua irmã Dīnāzād
ou Dīnārzād é Duniazade, o rei uxoricida Šāhriyār se tornou Shariyar, e seu irmão Šāhzamān é Shahzaman. Os outros nomes ao longo da
história vão se arranjando também.
A morte adiada
Sherazade é um dos personagens mais fascinantes da
história da literatura, justamente por contar histórias. Ela é mais do que o
fio condutor da imensidão de vidas, dramas, tragédias, violência, riso e horror
que desfilam toda noite naquele quarto, mantendo o rei interessado em saber o
que vai acontecer depois, a ponto de ir adiando a morte de mais uma esposa.
Do ponto de vista da ficção, é de dentro dela, é da alma
dela que saem as palavras, o conhecimento imbricado. Tenha ela lido, ouvido
alguém ou inventado cada trama, umas triviais e outras geniais, mas cada uma mantendo
uma mensagem e carregando uma luta pela sobrevivência do gênero feminino e, por
tabela, a sobrevivência da humanidade. Nessa imbricação, surge inclusive a
metáfora da arte de narrar como o elemento salvador do humano.
É claro que junto com o prazer da narrativa (e sua
capacidade redentora), há o prazer do sexo. Esta parte também subjaz, fica
implícita. Afinal, sexo e suas mil maneiras de fazê-lo é o que não falta nas
histórias contadas por Sherazade. Logo, se ela sabe contar, ela sabe fazer. Ela
sabe o que fazer e o que não fazer, e vai ensinando isso ao rei, enquanto
demonstra que existe um espaço imenso de subjetividade dentro do qual todo
mundo é diferente e único.
Enquanto lemos o Livro
das mil e uma noites, além de acompanharmos todos os parâmetros da vida
humana que aparecem na narrativa, estamos diante de uma mulher bonita,
inteligente, corajosa, culta, sábia, libertária, engraçada, serena, inventiva e
com um aguçado senso de justiça. Sherazade é um grande modelo feminista.
No quarto volume, inclusive, ela discorre sobre a condição
feminina com uma piada, uma ironia para a época, segundo Jarouche, mas que
revela também uma leve contestação, quando uma mulher questiona sua vizinha:
“Às mulheres só é lícito o casamento com um único homem, e
não podem possuir um único escravo ou serviçal, ao passo que os homens podem se
casar com quatro de nós, além de ter quantas amantes secretas e concubinas
quiserem. O que você acha disso?”
E a vizinha responde: “É porque dos homens é que provêm os
profetas, os santos, os califas, os reis, os vizires, os comandantes e os
juízes; e é por isso que eles tomam todas as decisões em causa própria.”
No primeiro volume, Sherazade é descrita como uma moça que
“tinha lido livros de compilações, de sabedoria e de medicina; decorara poesias
e consultara as crônicas históricas; conhecia tanto os dizeres de toda gente
como as palavras dos sábios e dos reis. Conhecedora das coisas, inteligente,
sábia e cultivada, tinha lido e entendido.”
Há uma humanidade descrita nessa narrativa que também é
importante, que vai além da literariedade do texto. Neste sentido, a coisa dita
é tão interessante quanto o modo de dizê-la, e é isso que faz do Livro das mil e uma noites uma obra
incrível.
“Nenhuma obra se
realiza sem palavras.”
A narrativa não se faz em labirintos de técnica e forma
como nos romances do século XX do Ocidente, como Ulysses, por exemplo, ou Em
busca do tempo perdido (embora, contraditoriamente, ambos tenham buscado
recursos narrativos do clássico árabe, provavelmente passando antes pela fonte
russa Os irmãos Karamázov).
A narrativa do Livro
das mil e uma noites oferece uma teia intensa e imensa de micro-histórias.
Seu modo de dizer, no entanto, é mais simples que o dos romances modernos. Muitas
vezes, apresenta-se como fábula, crônica, narrativa de viagem, e na maioria dos
casos como contos antigos, mas numa vertiginosa sucessão de tramas.
Contudo, que águas correm neste grande rio de sinestesia,
imagens, cores, olores e histórias espetaculares! Registro de um mundo mágico,
diferente, rico, de infinitas implicações, regado a sexo, comida, poder,
evocações míticas e religiosas, racismo, traições e espertezas.
A reivindicação da fala é fulcral nessa narrativa. Afinal,
como diz um personagem, “nenhuma obra se realiza sem palavras.” E para mil e
uma noites, há mil e uma palavras girando em tensão no tecido da trama, que em
muitos episódios se desenvolve como uma imensa boneca russa de histórias.
No universo narrado por Sherazade, contar histórias era um
modo de se defender ou de se entregar à justiça, cuja verdade da narrativa era
um salvo conduto. Ela sabia disso muito bem, e por isso arriscou o pescoço para
salvar as mulheres, narrando enredos com desfechos diversificados.
Desde o primeiro volume, os personagens narram para tentar
se salvar. Em muitos casos, o recurso narrativo traz uma sucessão de
transferência de voz dentro da narração, que, segundo Jarouche, é conhecido como
“regressão temporal linear”. Sherazade começa a narrar, e aí ela passa a fala
para outro, que passa para outro, no estilo “ouvi de fulano, que ouviu de
beltrano, que ouviu de sicrano, que ouviu de alano etc.”
O terceiro volume é sherazadiano por excelência, pois
apresenta a história como reivindicação ou busca do salvamento. É uma evocação
da salvação. É nesse volume que aparece Sindabad (grafado como Simbad, nas
versões mais conhecidas), o navegante, narrando suas sete aventuras por mares
fantásticos.
A história de Alauddin (Aladdin) e a lâmpada mágica vem no
quarto volume, tomando quase cem páginas do livro. É a narração mais
espetacular das Mil e uma noites.
Trata-se do exemplar por excelência das narrativas fantásticas. Sua trama é
ímpar. A tensão gerada, as soluções dos problemas do personagem, a carga
dramática, a evocação dos velhos mitos árabes, tudo é meticulosamente bem
narrado, e nada se parece com a melodramática e solar trama da Disney.
Versos e provérbios
O enfileiramento de provérbios geniais é outra riqueza do Livro das mil e uma noites. Há um sem
número deles ao longo dos quatro volumes, conforme já foi publicado no Leituras. Podemos ler citações como
“aquele que roga o perdão de seus superiores deve perdoar os pecados de seus
inferiores.” Ou: “Quem gasta sem calcular empobrece sem notar.” Ou ainda: “O
sabor da vida não sentem senão os loucos.” E mais: “Às vezes escapa o cego de
um buraco/ no qual despenca o lúcido clarividente.”
A poesia também é um bálsamo para o coração dos sujeitos
dessas histórias, como diz Budur, uma bela jovem protagonista de um dos contos:
“Não tenho senão lágrimas copiosas e recitação de poesias.” Com a poesia, eles
evocam a inspiração, expressam sentimentos. Um dervixe (monge muçulmano que faz
voto de pobreza), ao narrar suas desventuras a uma moça que o hospedou em Bagdá,
recita um poema:
“Estou perplexo, por Deus! Ninguém duvida:
por outro lado, desgraças me abalam a vida.
Serei paciente até que a paciência se canse da minha
paciência;
serei paciente até que Deus decida o meu caso em sua
clemência;
serei paciente até que Deus saiba que eu
fui paciente com coisas mais amargas do que a paciência
que me deu;
(...)”
A poesia é uma força motriz na alma árabe desse tempo. Ela
está presente na fala, nas citações (na memória). Em alguns contos, ela surge
escrita em portas, tapetes, portais, jarras, cartas, bilhetes. Essa veiculação
dos sentimentos e da fé por meio da poesia dá uma ideia de como as
coletividades daquela região do Oriente pensavam, e expõe a razão pela qual livros
sagrados como a Bíblia e o Alcorão foram escritos em versos.
Metalinguagem
sherazadiana
No terceiro volume, há uma série de contos que remetem à metalinguagem
da narrativa de Sherazade. Um rei que gostava de ouvir boas histórias manda
buscar narradores de várias partes do reino. A última história relata o drama
de um vizir condenado à morte por seu sultão (rei), e, para não morrer, vai
contando uma história mais espantosa que a outra. Desse modo, o sultão vai
adiando a morte do vizir para ouvir os desfechos dessas narrações.
Sherazade conhecia estas histórias, e por isso sabia que
podia fazer algo parecido com Shariyar. Ela trazia consigo um acervo de códigos
morais, além do poder estético de suas narrativas. Por isso se salvou.
É interessante notar que, nessa obra coletiva, houve
alguém que foi o primeiro a pensar em colocar uma mulher genial para contar
essas histórias, uma mulher, jovem, bela e, como um sol revelador do mundo,
capaz de compreender a possibilidade desse suspense.
Esse alguém, tal como Sherazade, conhecia bem o conto do
vizir que contava histórias. E antes de Sherazade e desse alguém primordial,
houve ainda outro que criara a história do vizir, ou talvez mesmo ali tenham
sido outros. É preciso dizer isso, porque as histórias que completam as mil e uma
noites não foram criadas sistemática e linearmente. Elas foram juntadas, e a narradora
foi incluída nessa junção.
Ao longo das mil e uma noites, Sherazade perpassa na alma
do sultão (rei Shariyar) uma espécie de reeducação sentimental, uma reeducação
moral, sexual e política. No quarto e último volume, sobre a história da
astúcia do gênero feminino, ela diz: “Eu temo por mim mesma, porém, que o rei,
ao ouvi-la, diminua o meu valor.”
Mesmo assim, vai em frente. Após narrar sobre os 16
capitães que contaram suas histórias sobre mulheres e suas astúcias para o
sultão Baybars, Sherazade pede ao rei Shariyar para não ficar espantado com as
histórias, pois sucedeu “aos reis, aos califas e aos soberanos sassânidas
anteriores, e outros, o mesmo que lhe sucedeu relativamente às mulheres.”
Após mil noites, o sentido e o vocabulário das histórias
haviam despertado a inteligência e a sensatez de Shariyar. Ele acabou reconhecendo
que esse jogo de traições poderia ocorrer com qualquer um, mas dependia de quem
estava do seu lado. Arrependeu-se das mortes e de seu passado violento. Casou-se
com Sherazade e deu a ela uma festa de sete dias. Também casou seu irmão
Shahzaman com Duniazade, a irmã caçula que tudo ouvia debaixo da cama.
A milésima primeira noite, então, foi de votos de amor
eterno. O rei manda fazer cópias em 30 volumes das histórias de Sherazade. E
tudo acaba bem, noite adentro, anos, décadas, séculos, até os dias de hoje.
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