sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O século das megacidades

                                                                                                                                            Foto: Wikipedia
Tóquio, capital japonesa, é a maior megacidade do mundo, com 35,7 milhões de pessoas    

Estamos caminhando para o consumo total de duas décadas do século XXI. E o que foi vivido nesse período já é amostra suficiente das tendências globais. Todas elas tangenciam de alguma forma a vida nas grandes cidades. A era do campo, pelo menos como hegemonia populacional, chegou ao fim. E não se trata de boa notícia, afinal, quem vai produzir alimentos?

Em termos proporcionais, desde 2008, a população urbana do mundo é maior do que a rural. Dois continentes gigantes ainda são essencialmente rurais, a África e a Ásia, mas já estão se despertando para a vida na cidade. Ano após ano, sua população migra vertiginosamente para morar em ambientes insalubres e dormir em quartos apertados em metrópoles como Xangai, na China, que atualmente conta com 23 milhões de habitantes.

Para se ter uma ideia, daqui a dez anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) prevê a entrada de mais nove megacidades no hall das que possuem mais de dez milhões de habitantes. Das novatas, duas virão da África e seis da Ásia (quase todas da China).

Segundo a ONU, em 2025, a cidade de Lagos, na Nigéria, terá 15,8 milhões de habitantes, e ela nem figura entre as megalópoles de hoje. Na África, até agora, só Cairo, no Egito, faz parte do hall das megacidades (quase 12 milhões de pessoas). Embora os centros urbanos asiáticos tenham também bolsões de pobreza, nada se compara aos desafios que a africana Lagos terá de enfrentar para melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos.

No Brasil, apenas duas megalópoles se desenham no corpo daquelas que ultrapassaram a casa dos dez milhões de pessoas: São Paulo e Rio de Janeiro. A rigor, apenas a capital paulista tem em seu município um volume demográfico atingindo a primeira dezena de milhões. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2016, o município de São Paulo contava com 12 milhões de habitantes. Já o Rio de Janeiro aparece com 6,5 milhões.

Mas as duas metrópoles, que hoje já podem ser chamadas de megalópoles, são vistas pela emenda de uma cidade na outra, contando a partir da principal, colocando-as no salão dos maiores conglomerados do mundo.

Caminhos de leitura

Partindo desse ponto de vista, das 19 cidades com este perfil atualmente, Tóquio, a capital japonesa, é a maior delas, com 35,7 milhões de pessoas. Para apontar perspectivas e descobrir qual é o futuro dessas cidades, que, no fundo, significa indicar caminhos de leitura sobre a humanidade inteira, o geógrafo norte-americano Laurence C. Smith realizou uma série de estudos no hemisfério norte do planeta.

Ele perambulou por lugares inóspitos como o Alasca, sentindo o efeito das mudanças climáticas, e se jogou à multidão de consumidores em efervescências como Nova York. O resultado de sua pesquisa é o livro O mundo em 2050: como a demografia, a demanda de recursos naturais, a globalização, a mudança climática e a tecnologia moldarão o futuro (Campus, 2011, 276 páginas, tradução de Ana Beatriz Rodrigues).

O livro de Smith tem uma importância fundamental para os que procuram entender a dinâmica das cidades. No cerne do seu trabalho está a constatação da dupla face do capitalismo, o agente da ascensão da humanidade a uma vida de conforto, pelo menos boa parte dela.

E é aí que entra o lado negro do sistema. Se por um lado, o capitalismo joga luz e aquece a alma de quem consegue ficar a favor de seus ventos, por outro, ele e sua sociedade de consumo são agentes – e serão cada vez mais – da queda brutal dessa mesma espécie. Isso porque, o que se nota, segundo Smith, é uma crescente indução ao consumo, criando um estilo de vida insustentável.

Veremos a predação dos recursos minerais, a demanda sem fundo de alimentos e a sofisticação tecnológica que exige da natureza cada vez mais a extração de minérios como aço, ferro e prata. Além disso, o uso da água, o bem mais precioso do planeta, será crescentemente mais agressivo.

Forças globais

Para entender como as tendências apontam para um futuro próximo – não mais de quarenta anos – cheio de  desafios e necessidade de readaptações, Smith levou em conta quatro forças globais nesse processo de transformação, que inclusive já vêm indicadas no subtítulo de seu libro: a demografia, a crescente demanda sobre os recursos naturais, a globalização e a mudança climática.

Todas as forças convergem para a vida urbana, já que o mundo na terra acaba de deixar o campo um pouco mais solitário e devagar. Por isso mesmo, o crescimento das cidades – e o que fazer para a vida se manter num quadro aceitável – é a discussão mais interessante do livro de Smith.

Ao longo da publicação, o autor enumera uma série de razões para nos preocuparmos com o futuro do planeta. Mas sempre encontra um meio de mostrar que ainda há um norte. Segundo Smith, o grande mal hoje em dia é o estilo de vida adquirido pelas sociedades de consumo.

As cidades crescem em função de pessoas que migram do campo em busca de empregos. Mas não é só isso. A dinâmica demográfica demonstra realmente que “a motivação da migração da população rural para as cidades é a possibilidade de ganhar melhor”. No entanto, indica também que as cidades já estão inchadas o bastante para fazerem seus bebês urbanos virem em maior número do que os bebês rurais.

Ou seja, as cidades se duplicam agora sem precisar do empurrão do êxodo rural. Tanto é assim que a ONU tem uma previsão de estabilidade da população do campo. Até 2018, esse número chegaria ao ápice de 3,5 bilhões, para em seguida declinar e se estabilizar em 2,8 bilhões, em 2050, dos 9,2 bilhões da população mundial nessa data.


O envelhecimento do mundo é a consequência


                                                        Foto: Viva-mundo.com

Cingapura: renda per capita é de US$ 50 mil, maior do que a dos EUA    


Segundo Laurence C. Smith, o capitalismo e suas revoluções produziram benefícios à humanidade, mas a um custo alto demais, cujo preço começamos a pagar. Num parágrafo ele introduz o leitor ao drama vindouro:

A Era Industrial trouxe consigo não apenas máquinas e medicamentos, mas também estímulos à migração do campo para a cidade. As pessoas passaram a comprar cada vez mais o que precisavam, em vez de produzir e fabricar. O custo da moradia aumentou; a economia cresceu. Um número maior de mulheres ingressou no mercado de trabalho, reduzindo o número de filhos que as famílias queriam ou podiam dar-se ao luxo de ter. As taxas de fertilidade começaram a cair, e o tamanho das famílias diminuiu. Quando as taxas de fertilidade finalmente caíram, igualando-se às taxas de mortalidade, o crescimento populacional cessou e as sociedades que haviam participado de tudo isso sofreram grandes transformações. Em lugar de populações pobres, pequenas, prolíficas e propensas à morte, surgiram populações numerosas, ricas e longevas, com poucos filhos.

O preço é justamente o envelhecimento do mundo. Neste caso, as nações precisarão investir mais em previdência e assistência médica. “Essas megatendências têm consequências pessoais. Eu, pessoalmente, aconselho a quem quiser investir no mercados financeiro a adquirir ações de indústrias farmacêuticas. Pois, a partir de agora, começarão a vir idosos por toda parte”, diz o geógrafo.

Megaexemplo

Se o crescimento populacional é inevitável, fazendo das grandes cidades mega-ambientes de convivência e conflito, resta trabalhar para descobrir os melhores meios de uma jornada interminável. Na amostra das tendências, há exemplos negativos como Lagos, na Nigéria, mas há também os modelos ultrapositivos, como é o caso da cidade-Estado Cingapura.

“Cidade portuária situada numa grande ilha no extremo sul da Península da Malásia, Cingapura começou como uma colônia britânica em 1819 e permaneceu sob domínio colonial durante 141 anos, até conquistar a independência, em 1960. Desde então, apesar de seu pequeno tamanho (menos de 700 quilômetros quadrados), escassos recursos naturais e nenhuma fonte nacional de combustíveis fósseis, seu crescimento e sucesso econômico têm sido fenomenais”, diz Smith neste texto veloz e bem informativo.

Cingapura não tem dez milhões de habitantes, mas é um lugar minúsculo para o gigantesco progresso que teve. Hoje é “um próspero centro tecnológico, financeiro e de serviços”, com uma população de cinco milhões de habitantes. É um “fornecedor global de componentes eletrônicos”, além de estar atraindo investimentos nas áreas de farmácia, medicina e biotecnologia.

A renda per capita dos cingapurenses é de US$ 50 mil, maior do que a dos americanos. A boa administração e o investimento maciço em educação e cultura dão a tônica da riqueza e da estabilidade da nação. Todas as variáveis em conjunto são o diferencial do livro de Smith, que é uma instigante provocação a quem se preocupa com o futuro da humanidade. Mas a análise demográfica é uma lição à parte.


A marcha da multidão

Em 1950, apenas duas cidades tinham mais de dez milhões de habitantes, Nova York e Tóquio. Vinte e cinco anos mais tarde, em 1975, Cidade do México entrou para o seleto grupo, do qual nem São Paulo fazia parte. Só entraria na década de 80.

Pouco mais de meio século depois, em 2007, 19 megacidades a desfilar sua densidade demográfica. Veja os três quadros que compõem o cenário das megacidades (contando a população de toda a região metropolitana).

1950
Nova York, EUA (12,3 milhões)
Tóquio, Japão (11,3)

1975
Tóquio, Japão (26,6)
Nova York, EUA (15,9)
Cidade do México, México (10,7)

2007
Tóquio, Japão (35,7)
Nova York, EUA (19)
Cidade do México, México (19)
Mumbai [Bombaim], Índia (19)
São Paulo, Brasil (18,8)
Nova Deli, Índia (15,9)
Xangai, China (15)
Calcutá, Índia (14,8)
Dhaka, Bangladesh (13,5)
Buenos Aires, Argentina (12,8)
Los Angeles, EUA (12,5)
Karachi, Paquistão (12,1)
Cairo, Egito (11,9)
Rio de Janeiro, Brasil (11,7)
Osaka-Kobe, Japão (11,3)
Beijing, China (11,1)
Manila, Filipinas (11,1)
Moscou, Rússia (10,5)
Istambul, Turquia (10,1)

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