Après l'amour, tendo os edifícios Chrysler e Empire State como modelos, quadro da holandesa Madelon Vriesendorp
Rem
Koolhaas tinha 34 anos quando lançou Nova
York delirante, em 1978. Era um jovem arquiteto holandês, arrojado, fundador
do escritório OMA (Office of Metroplitan Architecture). Seu livro sempre foi um
sucesso, mas nunca tinha sido publicado no Brasil, até que em 2008 a hoje
extinta editora CosacNaify deu à luz uma edição em português (368 páginas, tradução de Denise Bottmann).
A
modernidade nasceu em Paris, mas foi cultivada, e cresceu, em Nova York. Koolhaas,
que hoje tem 71 anos, tornou-se a cara da cidade ao propor uma biografia que
gira mais em torno de volumes e proporções, das figuras dos arquitetos, metáforas
e espaços geométricos do que dos cidadãos cosmopolitas que a ergueram.
Ele
conta a história de todos os grandes prédios erguidos em Manhattan e dos
projetos delirantes que não saíram do papel. Seu texto é bom, mas a beleza do
livro está mesmo é na tese sobre os delírios das mentes forjadoras do local
mais cobiçado do mundo, está na exposição de seu pensamento geométrico.
Seu
manifesto tornou-se desde então uma linha teórica do urbanismo, um pensamento
crítico sobre o crescimento das metrópoles e sobre a cultura da congestão. Embora
o título traga a palavra Nova York, a ambição de Koolhaas neste livro é mostrar
um ideal por trás da construção de Manhattan.
Durante
muitas décadas, a ilha foi o grande projeto urbano, tanto dos holandeses, no
começo da colonização (1609, ano da “descoberta”, passando pelas primeiras
famílias holandesas que chegaram para fundar a cidade em 1623, até 1664, quando
a Holanda fez um acordo com o império britânico e negociou o local), quanto dos
ingleses.
Koolhaas
quis expor a teoria do manhattanismo, com projetos que iriam até mais ou menos
a década de 1940, “cujo programa – existir num mundo totalmente fabricado pelo
homem, isto é, viver dentro da fantasia - era tão ambicioso que, para se tornar
realidade, nunca podia ser enunciado abertamente.” Daí o delírio.
Uma
invenção foi fundamental para a corrida delirante: o elevador. Antes dessa
tecnologia, os prédios subiam no máximo quatro andares. Por isso, a maioria dos
edifícios em Paris, por exemplo, cidade bem mais velha e tradicional, só chega
a esse nível de elevação. Ninguém era doido o bastante para subir e descer
alturas maiores.
Nova York
Com
o elevador, vieram os projetos de arranha-céus cada vez mais altos. A
construção do Empire State Building, em 1931, é um desses delírios, “cujo único
programa é dar concretude a uma abstração financeira – isto é, existir.”
O
Chrysler Building, o conjunto de prédios do Rockefeller Center e uma série de outros
prédios teceriam um emaranhado de concreto espetado no solo da ilha que
encantaria o mundo. Outro delírio é o Central Park, “‘tapete arcádico’
sintético”, com vegetação importada de outros solos.
Delírio
É
claro que em torno desse ideal, foi-se criando uma realidade urbana que
ultrapassou os limites. Mas houve projetos inacreditáveis com o intuito de fazer
da ilha uma espécie de “teatro de atrações”, que ficaram só no papel. Não havia
modéstia.
Uma
dessas ideias era a da Perisfera: um único arranha-céu de cem andares num
espaço circular tomando Manhattan e adjacências. Ou seja todo o resto nesse diâmetro,
incluindo o Chrysler e o Empire State, desapareceria. Vastas avenidas
sairiam do pé desse edifício “rumo a jardins, parques e campos desportivos” (um projeto delirante encabeçado
pelas ideias de Le Corbusier).
Outro
projeto delirante era o de torres numa ponte sobre o Rio Hudson entre Nova York
e Nova Jersey, dentro das quais haveria vinte pistas, com pedestres indo de um
lado para o outro. Havia ainda o projeto de “um segundo nível de tráfego de
pedestres num recuo a dez andares de altura”, além das propostas de
comportamento urbano de Salvador Dali em seu Método Crítico Paranoico (MCP).
Modernidade
Koolhaas
é casado com a artista plástica Madelon Vriesendorp, também holandesa, cujos
quadros sobre a paisagem de Manhattan aparecem no final de Nova York delirante, assimilando o surrealismo de Salvador Dali, a
psicanálise e a arquitetura moderna da cidade. Um deles tem o Empire State
Building e o Chrysler Building deitados numa cama, como se estivessem dormindo,
dividindo um leito, enquanto do lado de fora a multidão de prédios os vigia.
O
livro de Koolhaas é uma obra e tanto
para quem pensa espaços, sobretudo leitores dotados de visão artística e de pensamento
geométrico. No mínimo, nos mostra como pensavam arquitetos e artistas como A.
Stwart Walker (Fuller Building), Leonard Schultze (Waldorf-Astoria), William
Van Alen (Chrysler Building), Ralph Walker (One Wall Street), Lamb e Harmon Shreve
(Empire State Building), Raymond Hood, Wallace K. Harrison e Andrew Reinhard (Rockefeller Center), Le Corbusier (mais tarde, com a sede da ONU) etc.
que ajudaram a forjar a figura moderna de Nova York.
Manhattan
se tornou mais que realidade delirante, passou de sonho geométrico a um
conjunto de metáforas vivas até hoje cobiçado.
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