O amor é vário, mas deve se dividir em duas grandes categorias: o
amor que se sente e o amor de que se fala. O primeiro, embora possa
ser irradiante, poderoso e profundo (a depender de quem sente), é
íntimo, pessoal e intransferível. O segundo é literário ou
filosófico, está nos conceitos, vive no interior das palavras, nos
textos, na poesia, na prosa, no fundamento estético, e é vasto.
Sempre que falamos eu te amo, corremos o risco de o outro entender o
que dizemos como uma literatura particular. Do mesmo modo, o outro
também corre o risco de ser tocado pelo próprio amor que sente no
momento que dizemos eu te amo, quando na verdade dizemos apenas uma
expressão meramente literária.
Pode parecer bobagem, ou complexo, mas isso só ocorre porque o amor
mesmo é um paradoxo, tanto da moral (na subjetividade do homem),
quanto da linguagem. Neste segundo sentido é que vemos poemas de
amor se definirem no bojo das contradições, como em Vinicius de
Moraes e Carlos Drummond de Andrade, para ficar no viés
extraordinário da poesia brasileira.
Vinicius deixou versos como o Soneto do Amor Total: “Amo-te
afim, de um calmo amor prestante/ E te amo além, presente na
saudade/ Amo-te, enfim, com grande liberdade/ Dentro da eternidade e
a cada instante.” Drummond escreveu coisas como as Sem Razões
do Amor: “Amor é primo da morte,/ e da morte vencedor,/ por
mais que o matem (e matam)/ a cada instante de amor.”
Tudo isso é literatura. Há uma infinidade de livros que analisam e
comentam o assunto, como Do amor, de Stendhal, História do
Amor no Ocidente, de Denis de Rougemont, passando por A
Heresia Perfeita, de Stephen O’Shea, com a tese de que os
cátaros inventaram o amor livre lá no século 13. Não é à toa
que se diz que o amor de que se fala exerceu, e exerce, uma
influência demasiada sobre o amor que se sente.
Na filosofia, o amor é objeto de interesse desde os gregos. Em todo
caso, não muito distante de nós, um filósofo russo francófono,
Vladimir Jankélévitch, debate o significado da moral e seus
elementos no livro O Paradoxo da Moral, em que diz que o amor
dá maleabilidade ao ser, mas em uma cadeia de paradoxos dentro da
qual o homem precisa se equilibrar.
Por usar a lógica para explicar a moral como o principal problema
filosófico existencialista, o livro de Jankélévitch é complexo,
mas traz uma musicalidade ímpar. Pode ser lido como quem toca uma
sinfonia de sentidos, em que o amor é emparedado pela lógica e se
salva pelas contradições.
Em suas observações sobre o amor, vemos refletida a poesia de
Vinicius e de Drummond. “O amor infinito, com sua abnegação
infinita, tem necessariamente como sujeito um ser finito.” Eis o
sofrimento. Ou: “Para amar é preciso ser, mas para ser é preciso,
antes de tudo, amar: pois quem não ama é um simples fantasma.”
(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 13 de
junho de 2015)
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