Os romances do escritor americano Philip Roth sempre apresentaram
personagens vigorosos, intensos, com os quais o autor trouxe à tona
uma América cheia de dores e traumas, umas almas feridas, replenas
de desejos e taras. Nas tramas da meia idade rumo ao envelhecimento,
juntou-se a isso um medo eterno do câncer.
A temática da sua obra é um corpo cintilante carregado de sexo,
incesto, condição judaica, política americana, sociedade
americana, os medos, os delírios, os fracassos. Toda a literatura de
Roth é um convite para um banquete literário em que está posta à
mesa uma variedade de textos e citações.
Suas narrativas apontam perspectivas plurais, abordando vários
pontos de vistas, oferecendo sempre um ou mais segredos absconsos na
personalidade humana. Nessa pluralidade também está o tema da
velhice, principalmente em dois grandes romances, um em cada lado dos
dois de seus principais narradores, David Kepesh e Nathan Zuckermann,
respectivamente, Animal Agonizante e Fantasma Sai de Cena.
O corpo e o espírito no corpo decadente, “rebelião orgânica na
qual o corpo se levanta contra o idoso.”
Em Fantasma Sai de Cena, Nathan Zuckermann, famoso escritor
judeu narrador de vários dos romances de Roth, aparece com 71 anos,
recém-curado de um câncer de próstata. A cura lhe rendeu uma
incontinência urinária que o faz usar fraldas geriátricas. Havia
se afastado de Nova York e se isolado no interior por mais de dez
anos. Volta para consultar um urologista e acaba conhecendo mulheres
e homens mais jovens do que ele, entre os quais está Jamie, de 30
anos, bonita e inteligente, com um sexy appeal extraordinário.
Por causa dela e por um fantasma do passado, a mulher de seu ídolo
da juventude a quem desejou silenciosamente e agora está velha como
ele, curando-se de um câncer, como ele o fizera, decide regressar a
Nova York por um tempo. Nesse romance, Roth quer falar da velhice e
das consequências do corpo envelhecido, mas quer falar também da
contemporaneidade, da urgência simultânea da vida, do conflito de
gerações, em dois níveis: velhice contra juventude e novos
escritores contra o cânone - o cânone que cada geração cria.
Por causa da velhice, incompatível com a celeridade das coisas,
Zuckermann faz uma espécie de descrição das impossibilidades, não
pela carência material ou intelectual, mas pela passagem do tempo e
a decadência física, que é quando se olha para todos os lados,
inclusive para trás, e não se vê nada além de um imenso vazio,
impossível de atravessar.
Philip Roth é um professor. Mais que um mestre dos desejos, é um
tutor de espíritos que se interessam pela vida, que a acompanham
pela luz da estética, das grandes lições dadas por uma
inteligência superior. No meio da vida, se eu tiver a dádiva (e a
missão) de envelhecer, continuarei tendo com este homem conversas
sobre dores e talvez delícias.
(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 30 de
maio de 2015)
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