Entre nascimento e morte de Vinicius de Moraes (1913 –1980), vê-se um menino sensível e tímido, religioso, que cresceu apaixonado por uma única garota, e que a partir dos 20 anos se encontra intelectualmente desenvolvido, vai estudar em Oxford, Inglaterra, se torna membro do Itamarati e inicia uma carreira de diplomata, poeta, boêmio e homem de muitas histórias de amor.
Como poeta, primeiro fala de Deus e está envolto a um grupo católico, anticomunista e que flerta com o fascismo. Neste ambiente, lança o primeiro livro de poesia chamado O Caminho para a Distância, em 1933, e logo em seguida, Forma e Exegese, ambos marcados pela espiritualidade, exaltando o sublime, retrato da primeira influência de Sören Kierkegaard.
Mas depois, Vinicius sofre um processo de transformação e começa a exaltar também a matéria, sem conseguir superar a exaltação do espírito. O que lhe resta, portanto, é fundir essas duas correntes de inspiração, espírito e matéria. O resultado é uma poesia ímpar, em que o poeta utiliza conceitos da filosofia existencialista cristã de Kierkegaard e Blaise Pascal, o instante e o infinito. A partir de Cinco Elegias, de 1943, essa nova proposta toma conta de seu processo criativo.
Sua poesia não é ingênua. Mas, livrar-se de um preconceito é tarefa árdua. Poucos se importam em prestar atenção no ritmo como fator dominante do trabalho poético de Vinicius. As palavras trazem um conteúdo novo que só pode ser compreendido se se buscar primeiro o que a batida e a musicalidade dos versos dizem. Neste caso, não fica abaixo de nenhuma outra grande criação.
Além de seu biógrafo José Castelo, quem mais tem contribuído para a divulgação e a recuperação crítica de Vinicius é outro poeta carioca, Eucanaã Ferraz, que organizou a quarta edição de Vinicius de Moraes Poesia Completa e Prosa (Nova Aguilar, 2004, Volume Único). Ferraz também é o responsável pelas novas edições individuais dos livros do poeta, entre elas, um inédito chamado Poemas esparsos, todos pela Companhia das Letras.
Autor de Folha Explica Vinicius de Moraes (Publifolha, 2006), Ferraz ensina, neste livrinho mui interessante, que “toda leitura exige que se desconfie da comodidade”, e que na leitura de Vinicius “corremos o risco de fruir apenas o que na paisagem nos parece confortável, sem atentar para o que ali é estranhamento, novidade, construção.”
Mergulho na eternidade
Entre as diversas possibilidades na obra aberta de Vinicius está esta do instante, que abre uma fenda de compreensão de como o poeta reconstrói a realidade ao seu redor, que é também o olhar que lançamos sobre o mundo, mas que muitas vezes não sabemos expressar.
O instante no vocabulário comum, lexical, significa “espaço de tempo indeterminado, geralmente breve; momento, hora, ocasião.” Já a poética de Vinicius utiliza o instante significando um ponto entre o tempo e a eternidade, mas fora de ambos, ao mesmo tempo que é a possibilidade de um mergulho na eternidade.
O poeta busca este significado provavelmente em Kierkegaard, que por sua vez retirou da filosofia de Platão (Parmênides). Há, no entanto, uma diferença cabal entre Vinicius e o filósofo dinamarquês. Para este, o instante é o ponto preciso em que se faz a escolha de estar com Deus. Neste caso, escolher o instante é mergulhar na eternidade divina.
Já Vinicius adotou o conceito, não para escolher Deus, mas para eleger o amor e a própria vida como celebração do instante. No Soneto de Contrição, por exemplo, o termo não aparece explicitamente, mas na última estrofe, ele surge como resultado e razão do amor. O soneto começa dizendo: “Eu te amo, Maria, te amo tanto/ Que meu peito dói como em doença”; e mais adiante diz “Só te amar é divino, e sentir calma ...”, para no final desfechar: “E é uma calma tão feita de humildade/ Que tão mais te soubesse pertencida/ Menos seria eterno em tua vida”.
Ou seja, ele se sente eterno na vida dela justamente por ela ter sido efêmera nessa posse, por ele tê-la tido apenas num instante de amor. A intensidade do amor vivido dentro do instante é o que caracteriza sua eternidade, ou o mergulho nessa eternidade, e não o prolongamento da ação, do ato de amar.
Entre os vários exemplos em que o instante está explícito, é no Soneto do Amor Total que lemos com clareza: “Amo-te afim, de um calmo amor prestante/ E te amo além, presente na saudade/ Amo-te, enfim, com grande liberdade/ Dentro da eternidade e a cada instante”.
Com o instante, o poeta mergulha na eternidade, mas sai. E pode mergulhar de novo, tantas vezes quiser, porque é livre para fazer tal escolha. O que lhe interessa mesmo, no fim das contas, é o ato de amar. Enquanto Kierkegaard diria que o instante serve para se fazer uma escolha, ou seja, é o momento em que se mergulha na eternidade para ser livre em Deus, na poesia de Vinicius, o instante serve justamente para perpetuar esta liberdade no amor físico.
O cinema é infinito
Vinicius usa o conceito de instante em vários poemas. Mas os sonetos parecem ser o melhor receptáculo dessa luz breve, que se prolonga no interior do sujeito. Apaixonado pelo cinema, tendo sido, contraditoriamente, censor cinematográfico do Governo Getúlio Vargas, e logo em seguida crítico de cinema, o poeta deixou um tríptico de sonetos para o cineasta russo Sergei Eisenstein.
Em um desses sonetos, ele diz: “O cinema é infinito – não se mede./ Não tem passado nem futuro. Cada/ Imagem só existe interligada/ À que antecedeu e à que sucede.” Eis aqui também um exemplo da tradução do mundo pelos olhos do poeta. De fato, “cada imagem só existe interligada”, não só no cinema, mas na vida cotidiana, na leitura da história, na memória e na experiência afetiva.
A eternidade é algo fora do tempo. O tempo é um fenômeno que pode ser contado, a eternidade não. Mas existe uma maneira de se mergulhar na eternidade, e esta maneira é o instante, porque é ele que sempre acontece, imagem por imagem. A contemplação de uma imagem pode ser infinita, se tiver qualidade. No plano dos sentimentos, então, nem se fala. Desse modo, uma lembrança pode ser eterna.
O cinema é infinito porque as imagens captadas ali não são mais nem passado nem futuro, nem presente. Ao se ter acesso a elas, entra-se justamente no instante, e aí, mergulha-se na eternidade. E isso é feito em cada frame, pois esta passagem, de uma imagem a outra, é que faz surgir o movimento e a vida.
Na poesia de Vinicius, o estranhamento está na maneira como ele retrabalha as coisas mais simples da vida cotidiana. E ri delas, ou chora com elas. A morte, sua musa, é a mais requisitada. A tristeza também. Não há ninguém mais triste que Vinicius de Moraes. “Sou um homem triste, com uma grande vocação para a alegria”, disse, em entrevista de 1965 para a revista Manchete.
A contradição é sua matéria-prima, e por isso mesmo, a sensação que ele nos transmite é de uma alegria imensa, que nos faz querer ser seu amigo ou amante (no caso das mulheres). Essa tristeza e esse gosto pela vida, ele levou para os palcos quando deixou de ser poeta e se tornou o showman que todo mundo conhece mais do que ao poeta, uma das razões porque os homens que se acham sérios cassaram sua poesia.
Na mesma entrevista à Manchete (1965), ele diz: “Não sou especificamente músico, sou poeta. A música em mim é uma decorrência”. No entanto, em 1979, um ano antes de morrer, seu espírito já era moldado pelo universo das canções e, definitivamente, já tinha deixado de ser poeta. Em entrevista daquele ano para a revista Veja, diz: “Eu sempre fui músico, mas me achava fundamentalmente um poeta.”
Nas letras de suas canções, Vinicius ajuda a traduzir o significado de sua poesia. Em Samba da Bênção, o poeta diz “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza.” Ou seja, beleza e tristeza continuam em seu processo criativo. Não é só porque o samba é essencialmente triste, como toda a música negra do continente da diáspora. É porque a beleza da arte é proveniente deste sentimento.
Nisso também, sua poesia está de acordo com toda a grande literatura. Baudelaire e Mallarmé, dois grandes poetas forjadores da poesia moderna, deram o tom de um processo criativo trazido à tona por Edgar Allan Poe, segundo o qual, “a melancolia é o mais legítimo de todos os tons poéticos.” O coro é engrossado quando Mikhail Bakhtin, grande pensador da literatura do século XX, diz que “a alegria é o estado mais passivo, mais indefeso e lastimável da existência.”
Vinicius de Moraes não cabe em duas páginas, nem é esta a pretensão do presente texto. Pelo contrário, a intenção é justamente mostrar a grandiosidade de um autor que alguns sabichões prontamente dizem ser poeta para mulheres. Talvez seja mesmo, à medida que se sabe de antemão que as mulheres têm mais sensibilidade.
Sem razões
Para fechar, uma história que lapida o exemplo do instante. No livro Um veneno chamado amor, de Carmen Posadas, entre tantas outras histórias de desditas amorosas, ela conta a de uma obsessão vivida nos ano de 1960 pela assistente do cineasta Jean-Luc Godard, Patricia Finaly. Uma garota livre e liberal, dona de si, que ninguém era capaz de conquistar. Até que um dia conhece o diretor André Labarthe e sua vida muda completamente.
Os dois se apaixonam e passam sete tórridos anos se encontrando todas as noites, no apartamento dela. Mas tudo passa. Nada que está em movimento faz parte da frieza do eterno. Há sempre um novo frame para a vida seguir adiante. O diretor, um dia, ou melhor, uma noite, não aparece, e a obsessão de Patricia naquele momento dá o ar da graça.
Ela o quer de qualquer maneira, ainda que seja em prestações ínfimas no espaço dos anos. Depois de alguns acertos e súplicas de amigos em comum, Labarthe aceita encontrar-se com a ex-amante três dias por ano, entre 23 e 26 de dezembro. Tudo bem, diz Patricia. “Viverei três dias por ano, mas é uma eternidade. A minha eternidade.”
Eis o instante que se estica, o mergulho na eternidade. Esta história não poderia ser mais metafórica à poesia de Vinicius. Seu Soneto de Fidelidade está aí: o amor infinito enquanto dura. A infinitude em exíguos três dias anuais.
A história de Patricia também pode ser traduzida num poema de Carlos Drummond de Andrade, um poema que, neste caso, não poderia ser feito sem a influência de Vinicius, sem dúvida. É As sem razões do amor, que na última estrofe diz: “O amor é primo da morte,/ E da morte vencedor/ Por mais que o matem (e matam)/ A cada instante de amor.”
Como poeta, primeiro fala de Deus e está envolto a um grupo católico, anticomunista e que flerta com o fascismo. Neste ambiente, lança o primeiro livro de poesia chamado O Caminho para a Distância, em 1933, e logo em seguida, Forma e Exegese, ambos marcados pela espiritualidade, exaltando o sublime, retrato da primeira influência de Sören Kierkegaard.
Mas depois, Vinicius sofre um processo de transformação e começa a exaltar também a matéria, sem conseguir superar a exaltação do espírito. O que lhe resta, portanto, é fundir essas duas correntes de inspiração, espírito e matéria. O resultado é uma poesia ímpar, em que o poeta utiliza conceitos da filosofia existencialista cristã de Kierkegaard e Blaise Pascal, o instante e o infinito. A partir de Cinco Elegias, de 1943, essa nova proposta toma conta de seu processo criativo.
Sua poesia não é ingênua. Mas, livrar-se de um preconceito é tarefa árdua. Poucos se importam em prestar atenção no ritmo como fator dominante do trabalho poético de Vinicius. As palavras trazem um conteúdo novo que só pode ser compreendido se se buscar primeiro o que a batida e a musicalidade dos versos dizem. Neste caso, não fica abaixo de nenhuma outra grande criação.
Além de seu biógrafo José Castelo, quem mais tem contribuído para a divulgação e a recuperação crítica de Vinicius é outro poeta carioca, Eucanaã Ferraz, que organizou a quarta edição de Vinicius de Moraes Poesia Completa e Prosa (Nova Aguilar, 2004, Volume Único). Ferraz também é o responsável pelas novas edições individuais dos livros do poeta, entre elas, um inédito chamado Poemas esparsos, todos pela Companhia das Letras.
Autor de Folha Explica Vinicius de Moraes (Publifolha, 2006), Ferraz ensina, neste livrinho mui interessante, que “toda leitura exige que se desconfie da comodidade”, e que na leitura de Vinicius “corremos o risco de fruir apenas o que na paisagem nos parece confortável, sem atentar para o que ali é estranhamento, novidade, construção.”
Mergulho na eternidade
Entre as diversas possibilidades na obra aberta de Vinicius está esta do instante, que abre uma fenda de compreensão de como o poeta reconstrói a realidade ao seu redor, que é também o olhar que lançamos sobre o mundo, mas que muitas vezes não sabemos expressar.
O instante no vocabulário comum, lexical, significa “espaço de tempo indeterminado, geralmente breve; momento, hora, ocasião.” Já a poética de Vinicius utiliza o instante significando um ponto entre o tempo e a eternidade, mas fora de ambos, ao mesmo tempo que é a possibilidade de um mergulho na eternidade.
O poeta busca este significado provavelmente em Kierkegaard, que por sua vez retirou da filosofia de Platão (Parmênides). Há, no entanto, uma diferença cabal entre Vinicius e o filósofo dinamarquês. Para este, o instante é o ponto preciso em que se faz a escolha de estar com Deus. Neste caso, escolher o instante é mergulhar na eternidade divina.
Já Vinicius adotou o conceito, não para escolher Deus, mas para eleger o amor e a própria vida como celebração do instante. No Soneto de Contrição, por exemplo, o termo não aparece explicitamente, mas na última estrofe, ele surge como resultado e razão do amor. O soneto começa dizendo: “Eu te amo, Maria, te amo tanto/ Que meu peito dói como em doença”; e mais adiante diz “Só te amar é divino, e sentir calma ...”, para no final desfechar: “E é uma calma tão feita de humildade/ Que tão mais te soubesse pertencida/ Menos seria eterno em tua vida”.
Ou seja, ele se sente eterno na vida dela justamente por ela ter sido efêmera nessa posse, por ele tê-la tido apenas num instante de amor. A intensidade do amor vivido dentro do instante é o que caracteriza sua eternidade, ou o mergulho nessa eternidade, e não o prolongamento da ação, do ato de amar.
Entre os vários exemplos em que o instante está explícito, é no Soneto do Amor Total que lemos com clareza: “Amo-te afim, de um calmo amor prestante/ E te amo além, presente na saudade/ Amo-te, enfim, com grande liberdade/ Dentro da eternidade e a cada instante”.
Com o instante, o poeta mergulha na eternidade, mas sai. E pode mergulhar de novo, tantas vezes quiser, porque é livre para fazer tal escolha. O que lhe interessa mesmo, no fim das contas, é o ato de amar. Enquanto Kierkegaard diria que o instante serve para se fazer uma escolha, ou seja, é o momento em que se mergulha na eternidade para ser livre em Deus, na poesia de Vinicius, o instante serve justamente para perpetuar esta liberdade no amor físico.
O cinema é infinito
Vinicius usa o conceito de instante em vários poemas. Mas os sonetos parecem ser o melhor receptáculo dessa luz breve, que se prolonga no interior do sujeito. Apaixonado pelo cinema, tendo sido, contraditoriamente, censor cinematográfico do Governo Getúlio Vargas, e logo em seguida crítico de cinema, o poeta deixou um tríptico de sonetos para o cineasta russo Sergei Eisenstein.
Em um desses sonetos, ele diz: “O cinema é infinito – não se mede./ Não tem passado nem futuro. Cada/ Imagem só existe interligada/ À que antecedeu e à que sucede.” Eis aqui também um exemplo da tradução do mundo pelos olhos do poeta. De fato, “cada imagem só existe interligada”, não só no cinema, mas na vida cotidiana, na leitura da história, na memória e na experiência afetiva.
A eternidade é algo fora do tempo. O tempo é um fenômeno que pode ser contado, a eternidade não. Mas existe uma maneira de se mergulhar na eternidade, e esta maneira é o instante, porque é ele que sempre acontece, imagem por imagem. A contemplação de uma imagem pode ser infinita, se tiver qualidade. No plano dos sentimentos, então, nem se fala. Desse modo, uma lembrança pode ser eterna.
O cinema é infinito porque as imagens captadas ali não são mais nem passado nem futuro, nem presente. Ao se ter acesso a elas, entra-se justamente no instante, e aí, mergulha-se na eternidade. E isso é feito em cada frame, pois esta passagem, de uma imagem a outra, é que faz surgir o movimento e a vida.
Na poesia de Vinicius, o estranhamento está na maneira como ele retrabalha as coisas mais simples da vida cotidiana. E ri delas, ou chora com elas. A morte, sua musa, é a mais requisitada. A tristeza também. Não há ninguém mais triste que Vinicius de Moraes. “Sou um homem triste, com uma grande vocação para a alegria”, disse, em entrevista de 1965 para a revista Manchete.
A contradição é sua matéria-prima, e por isso mesmo, a sensação que ele nos transmite é de uma alegria imensa, que nos faz querer ser seu amigo ou amante (no caso das mulheres). Essa tristeza e esse gosto pela vida, ele levou para os palcos quando deixou de ser poeta e se tornou o showman que todo mundo conhece mais do que ao poeta, uma das razões porque os homens que se acham sérios cassaram sua poesia.
Na mesma entrevista à Manchete (1965), ele diz: “Não sou especificamente músico, sou poeta. A música em mim é uma decorrência”. No entanto, em 1979, um ano antes de morrer, seu espírito já era moldado pelo universo das canções e, definitivamente, já tinha deixado de ser poeta. Em entrevista daquele ano para a revista Veja, diz: “Eu sempre fui músico, mas me achava fundamentalmente um poeta.”
Nas letras de suas canções, Vinicius ajuda a traduzir o significado de sua poesia. Em Samba da Bênção, o poeta diz “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza.” Ou seja, beleza e tristeza continuam em seu processo criativo. Não é só porque o samba é essencialmente triste, como toda a música negra do continente da diáspora. É porque a beleza da arte é proveniente deste sentimento.
Nisso também, sua poesia está de acordo com toda a grande literatura. Baudelaire e Mallarmé, dois grandes poetas forjadores da poesia moderna, deram o tom de um processo criativo trazido à tona por Edgar Allan Poe, segundo o qual, “a melancolia é o mais legítimo de todos os tons poéticos.” O coro é engrossado quando Mikhail Bakhtin, grande pensador da literatura do século XX, diz que “a alegria é o estado mais passivo, mais indefeso e lastimável da existência.”
Vinicius de Moraes não cabe em duas páginas, nem é esta a pretensão do presente texto. Pelo contrário, a intenção é justamente mostrar a grandiosidade de um autor que alguns sabichões prontamente dizem ser poeta para mulheres. Talvez seja mesmo, à medida que se sabe de antemão que as mulheres têm mais sensibilidade.
Sem razões
Para fechar, uma história que lapida o exemplo do instante. No livro Um veneno chamado amor, de Carmen Posadas, entre tantas outras histórias de desditas amorosas, ela conta a de uma obsessão vivida nos ano de 1960 pela assistente do cineasta Jean-Luc Godard, Patricia Finaly. Uma garota livre e liberal, dona de si, que ninguém era capaz de conquistar. Até que um dia conhece o diretor André Labarthe e sua vida muda completamente.
Os dois se apaixonam e passam sete tórridos anos se encontrando todas as noites, no apartamento dela. Mas tudo passa. Nada que está em movimento faz parte da frieza do eterno. Há sempre um novo frame para a vida seguir adiante. O diretor, um dia, ou melhor, uma noite, não aparece, e a obsessão de Patricia naquele momento dá o ar da graça.
Ela o quer de qualquer maneira, ainda que seja em prestações ínfimas no espaço dos anos. Depois de alguns acertos e súplicas de amigos em comum, Labarthe aceita encontrar-se com a ex-amante três dias por ano, entre 23 e 26 de dezembro. Tudo bem, diz Patricia. “Viverei três dias por ano, mas é uma eternidade. A minha eternidade.”
Eis o instante que se estica, o mergulho na eternidade. Esta história não poderia ser mais metafórica à poesia de Vinicius. Seu Soneto de Fidelidade está aí: o amor infinito enquanto dura. A infinitude em exíguos três dias anuais.
A história de Patricia também pode ser traduzida num poema de Carlos Drummond de Andrade, um poema que, neste caso, não poderia ser feito sem a influência de Vinicius, sem dúvida. É As sem razões do amor, que na última estrofe diz: “O amor é primo da morte,/ E da morte vencedor/ Por mais que o matem (e matam)/ A cada instante de amor.”
(Publicado originalmente no jornal Tribuna do Planalto)
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