Saiu na mídia que o escritor italiano, especialista em literatura portuguesa, Antonio Tabucchi, não mais vai participar da Festa Literária de Paraty. O substituto é Ferreira Gullar, que está à altura, sem dúvida. Tabucchi não vem por causa de problemas na coluna. Gullar, que tem uma coluna na Folha de S. Paulo, está tranquilo.
O legal de Tabucchi ir à FLIP, na qual não estarei presente (por falta de dinheiro), como nunca estive, seria ouvir um escritor diferente, na minha modesta opinião. Li dois livros dele, cuja impressão foi boa. Um desses livros foi escrito em português, tamanha é a intimidade do autor com a língua de Pessoa, Requiem (Rocco, 2001). Veja que o título está em latim. Em português, haveria um acento agudo na primeira sílaba.
O outro livrinho, porque curto, foi Sonhos de sonhos (Rocco, 1996). Neste, ele vai repassando sonhos de grandes nomes da pintura, da literatura, da música, como Lúcio de Apuleio e Freud. Freud deve estar aqui na lista dos poetas, sei lá. Para cada um dos sonhadores, digamos assim, havia um pequeno perfil. De Freud era “Profissão: analisar os sonhos dos outros.”
Mas, na falta de ter o que falar de Tabucchi, meu desalento é que não li aquilo que gostaria de ter lido, ou seja, Os três últimos dias de Fernando Pessoa (Rocco, 1996). Por falar em Pessoa, o fato é que estou em dívida com os patrícios. Também não li O ano da morte de Ricardo Reis (Companhia das Letras, 1988), de José Saramago.
As citações aqui são à toa. São ilustrações de um comentário sobre Tabucchi. Mas também servem como dica. E até poderiam não ser à toa. Poderiam servir de muleta para uma abordagem sobre a morte. Veja os títulos de Tabucchi e o de Saramago, e diga se não há ali uma ligação fúnebre. Até parece que Tabucchi só escreve sobre sonho e morte.
Requiem, cujo significado é ‘prece para os mortos’, é uma aventura errante, digamos, de um homem em estado de delírio, em que marca encontro com mortos e ao mesmo tempo desfila entre pessoas vivas, ou as vê desfilarem ao longo de seu caminho onírico.
Trecho de Requiem
“Pensei: o gajo nunca mais chega. E depois pensei: não posso chamar-lhe ‘gajo’, é um grande poeta, talvez o maior poeta do século vinte, morreu há muitos anos, tenho de o tratar com respeito, ou melhor, com respeitinho. Mas entretanto começava a aborrecer-me, o sol dardejava, o sol do fim de julho, e pensei ainda: estou de férias, estava tão bem lá em Azeitão, na quinta dos meus amigos, porque é que aceitei este encontro aqui no cais?, tudo isto é absurdo. E olhei aos meus pés a silhueta da minha sombra, e também me pareceu absurda, incongruente, não tinha sentido, era uma silhueta curta, esmagada pelo sol do meio-dia, e foi então que me lembrei: ele tinha marcado às doze, mas talvez quisesse dizer doze da noite. Levantei-me e percorri o cais. Na avenida, o trânsito tinha parado, passavam poucos carros, alguns com chapéus de sol no porta-bagagem, era tudo gente que ia para as praias da Caparica, estava um dia quentíssimo, pensei: o que faço eu aqui no último domingo de julho?, e acelerei o passo para ver se chegava o mais rapidamente possível a Santos, talvez no jardim estivesse um pouco mais fresco.”
O legal de Tabucchi ir à FLIP, na qual não estarei presente (por falta de dinheiro), como nunca estive, seria ouvir um escritor diferente, na minha modesta opinião. Li dois livros dele, cuja impressão foi boa. Um desses livros foi escrito em português, tamanha é a intimidade do autor com a língua de Pessoa, Requiem (Rocco, 2001). Veja que o título está em latim. Em português, haveria um acento agudo na primeira sílaba.
O outro livrinho, porque curto, foi Sonhos de sonhos (Rocco, 1996). Neste, ele vai repassando sonhos de grandes nomes da pintura, da literatura, da música, como Lúcio de Apuleio e Freud. Freud deve estar aqui na lista dos poetas, sei lá. Para cada um dos sonhadores, digamos assim, havia um pequeno perfil. De Freud era “Profissão: analisar os sonhos dos outros.”
Mas, na falta de ter o que falar de Tabucchi, meu desalento é que não li aquilo que gostaria de ter lido, ou seja, Os três últimos dias de Fernando Pessoa (Rocco, 1996). Por falar em Pessoa, o fato é que estou em dívida com os patrícios. Também não li O ano da morte de Ricardo Reis (Companhia das Letras, 1988), de José Saramago.
As citações aqui são à toa. São ilustrações de um comentário sobre Tabucchi. Mas também servem como dica. E até poderiam não ser à toa. Poderiam servir de muleta para uma abordagem sobre a morte. Veja os títulos de Tabucchi e o de Saramago, e diga se não há ali uma ligação fúnebre. Até parece que Tabucchi só escreve sobre sonho e morte.
Requiem, cujo significado é ‘prece para os mortos’, é uma aventura errante, digamos, de um homem em estado de delírio, em que marca encontro com mortos e ao mesmo tempo desfila entre pessoas vivas, ou as vê desfilarem ao longo de seu caminho onírico.
Trecho de Requiem
“Pensei: o gajo nunca mais chega. E depois pensei: não posso chamar-lhe ‘gajo’, é um grande poeta, talvez o maior poeta do século vinte, morreu há muitos anos, tenho de o tratar com respeito, ou melhor, com respeitinho. Mas entretanto começava a aborrecer-me, o sol dardejava, o sol do fim de julho, e pensei ainda: estou de férias, estava tão bem lá em Azeitão, na quinta dos meus amigos, porque é que aceitei este encontro aqui no cais?, tudo isto é absurdo. E olhei aos meus pés a silhueta da minha sombra, e também me pareceu absurda, incongruente, não tinha sentido, era uma silhueta curta, esmagada pelo sol do meio-dia, e foi então que me lembrei: ele tinha marcado às doze, mas talvez quisesse dizer doze da noite. Levantei-me e percorri o cais. Na avenida, o trânsito tinha parado, passavam poucos carros, alguns com chapéus de sol no porta-bagagem, era tudo gente que ia para as praias da Caparica, estava um dia quentíssimo, pensei: o que faço eu aqui no último domingo de julho?, e acelerei o passo para ver se chegava o mais rapidamente possível a Santos, talvez no jardim estivesse um pouco mais fresco.”
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