sábado, 19 de abril de 2008

DESONRA: a violência de uma nação

J. M. Coetzee pode ser tudo, menos ingênuo. Desonra, livro publicado antes de ele ganhar o Nobel de Literatura em 2003, é uma metáfora do fim do apartheid na África do Sul, sua terra natal. A trama gira em torno de um professor que perde o emprego depois de transar com uma aluna.

A aluna teria ido pra cama com ele sob coerção, com medo de dizer não, como que mesmerizada, da mesma forma que um sapo se deixa levar pelo olhar hipnotizante da cobra malvada. Aos olhos dos outros, a menina cai em desgraça. Fica manchada pela desonra impetrada pelo professor.

Ele vira as costas para a acusação e vai embora da Cidade do Cabo, onde morava e lecionava. E aí começa o desenvolvimento do fulcro do romance. Vai para a casa da filha, no interior do país. Nesse ínterim, a filha é estuprada, outra desonra. Mas ela não quer denunciar os estupradores, que foram dois, e eram negros.

O pai diz não entender a razão do silêncio da filha, e ela replica que não pode fazer nada, por ser um caso particular da África do Sul. Eis a metáfora: um país recém saído de um regime brutal de segregação racial aparenta-se violentado, caído em desonra, pelo qual não se pode fazer nada.

O país teria retornado a um passado de regras externas à conduta branca. Esta seria a sugestão, a denúncia de que tudo está fora de ordem, num lugar onde qualquer coisa que aconteça se assemelha a uma violação. A alusão a esses tempos difíceis também pode ser lida em Age of iron. Um livro menor.

Historicamente, também podemos imaginar o rombo feito pelos colonizadores holandeses e ingleses à região onde se construiu a África do Sul, branca e racista, que ruiu na primeira metade da década de 90 do século passado.

No Brasil, Coetzee é um escritor razoavelmente lido, com vários livros publicados, tendo inclusive participado da FLIP 2007.

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