Al Alvarez (1929-2019): “A morte é simplesmente um fim, um beco sem saída, nem mais, nem menos” |
Al Alvarez foi um poeta, romancista, jornalista e crítico literário inglês que dizia ser londrino em todos os cantos da alma, mas não se sentia inglês de fato. É autor de vários livros, entre eles, Noite, O Deus Selvagem – um estudo do suicídio e A voz do escritor, publicados no Brasil.
Era judeu, descendente de uma família que se viu obrigada durante séculos a escamotear sua origem numa Inglaterra antissemita, que aceitava, por exemplo, que judeus fossem físicos ou filósofos, como Michael Kosterlitz (1943-) e Isaiah Berlin (1909-1997), mas não um crítico literário, um representante da nação em sua cozinha intelectual, segundo John Sutherland, no The Guardian.
Al Alvarez não tem o reconhecimento de Raymond Williams (1921-1988), Terry Eagleton (1943-), James Wood (1965-), enfim. Sua obra não possui a consistência desses caras citados, mas ele era um escritor brilhante.
Um de seus livros mais conhecidos é a ensaística O Deus Selvagem, tendo como objeto principal a morte de Sylvia Plath (1932-1963) na análise das possíveis razões pelas quais as pessoas se matam, fazendo observações sobre os escritores e artistas suicidas.
Nesse livro, ele cita muitos casos curiosos e faz observações interessantes. Inicia sua narrativa abrindo o primeiro parágrafo do prefácio com uma cena magistral e sombria:
“Quando estava na escola, eu tinha um professor de física muito desorganizado e de temperamento amável que vivia falando, em tom de brincadeira, sobre suicídio. Era um homem pequeno com uma enorme cara vermelha, uma enorme cabeça coberta de grossos cachos grisalhos e um sorriso permanentemente preocupado. Diziam que ele tinha se formado com distinção em Cambridge, ao contrário da maior parte de seus colegas. Um dia, ao final de uma aula, ele comentou em tom ligeiro que uma pessoa que estivesse planejando cortar a garganta deveria sempre ter o cuidado de, antes, enfiar a cabeça dentro da uma sacola, caso contrário ela faria uma sujeira terrível. Todo mundo riu. Logo depois, o sinal da uma da tarde tocou e os meninos todos saíram porta afora para almoçar. O professor de física voltou direto para casa em sua bicicleta, enfiou a cabeça numa sacola e cortou a garganta. Não fez muita sujeira. Eu fiquei profundamente impressionado.”
Depois disso, Alvarez desenvolve a primeira parte do livro sobre Sylvia Plath, a segunda parte sobre o histórico do suicídio, a terceira parte sobre a dificuldade de as pessoas entenderem o suicida, bem como as falácias sobre o suicídio, as teorias, os sentimentos, e por fim, a quarta parte traçando uma vasta linha de comentários sobre suicídio e literatura.
Ao longo do livro, além das profundas considerações na tentativa de compreender o extremado gesto, ele faz uma série de observações interessantes. Diz, por exemplo: “Acredita-se que Zenão, o fundador do estoicismo, teria se enforcado por pura distração quando deu um tropeção e torceu o dedo.”
“A depressão suicida é uma espécie de inverno espiritual, gelado, estéril, imóvel.”
“O suicídio, como o sexo, é uma característica humana que nem mesmo a mais perfeita sociedade pode eliminar.”
“Os psicanalistas já sugeriram que uma pessoa pode se destruir não porque queira morrer, mas porque não consegue suportar um certo aspecto de si mesma.”
“Atingindo um certo grau de desespero, uma pessoa pode se matar apenas para provar que está falando sério.”
No final, confessa: “Depois de tudo isso, tenho de admitir que sou um suicida malsucedido”. Em 1961, aos 32 anos, tomou 45 comprimidos para dormir, trancado no banheiro, e acordou três dias depois num hospital, vendo sua mulher chorar.
Ao falhar com seu método, aprendeu a lição. Não tentou se matar de novo. Mas certamente conviveu ao longo de décadas com o sentimento de suicida, como um soldado enfrenta o inimigo na névoa da guerra, sem vê-lo.
“Parece tão ridículo agora ter aprendido uma coisa tão óbvia de forma tão árdua, ter tido que percorrer quase o caminho inteiro até a morte só para crescer. Um lado meu ainda se sente ludibriado e lesado, e também envergonhado da minha própria estupidez. No entanto, no final das contas, até o esquecimento foi uma espécie de experiência. Por certo, nada nunca mais foi o mesmo desde que descobri por mim mesmo, no meu próprio corpo e nos meus próprios nervos, que a morte é simplesmente um fim, um beco sem saída, nem mais, nem menos.”
Ele escreveu O Deus selvagem para tentar compreender por que essas coisas acontecem, por que as pessoas se matam. Fez esse estudo em 1971, dez anos depois de sua própria tentativa de suicídio. Morreu em setembro do ano passado, aos 90 anos, vítima de uma pneumonia, em Hampstead, Norte de Londres.