domingo, 18 de outubro de 2015

O vencedor e os vencidos: sobre o livro não lido de Marlon James e os lidos de Luiz Ruffato

Não li ainda A brief history of seven killings, romance do jamaicano Marlon James, que acaba de ganhar o Booker Prize. Mas uma coisa me chamou a atenção na resenha de John Freeman sobre o livro, publicada na Folha de S. Paulo de hoje, em que ele diz “a trama não é narrada pelos vencedores, mas pelos vencidos.” Só me interessa esta observação, porque parece que o genial e original do romance de James está nessa manobra de serem os vencidos a contar a história.

São mais de 70 personagens, entre “prisioneiros, sequestradores, mães, policiais, bandidos gays, capangas, crianças abandonadas, os ferrados, os maus”, dando as cartas na narrativa. A voz é plural, portanto, polifônica. As resenhas aparecem para dizer que o livro é brilhante e confuso, ao mesmo tempo, soberbo, emocionante e, às vezes, cansativo.

Como não li o livro, quero me ater à ideia das resenhas (incluindo esta de Freeman), segundo as quais o livro parece trazer uma novidade na pluralidade das vozes dos vencidos. Pode ser que seja assim para inglês ver. Pode ser que a literatura de língua inglesa estivesse carente desse tipo de narrativa. Para mim, o que me interessa na narrativa de James é o fato de o autor ser um negro da diáspora contando a versão dos derrotados e sendo premiado por isso pelos brancos da metrópole.

No caso dos vencidos narrando sua história, na literatura brasileira temos um exemplo fulcral, importantíssimo, que são os romances de Luiz Ruffato. Não podemos  nos esquecer disso quando formos resenhar o livro de James. Isso porque Ruffato nos deu uma contribuição ímpar para a história da literatura brasileira, criando personagens estruturalmente transitórios numa rede de migração que vai da periferia para o centro e leva junto sua história.

Vemos isso na pentalogia Inferno provisório (Mamma, son tanto Felice; O mundo inimigo; Vista parcial da noite; O livro das impossibilidades; Domingos sem Deus) e também em Eles eram muitos cavalos, em que os estilhaços da narrativa refletem as dezenas de vozes, vozes dos vencidos tais como as referidas vozes do romance de Marlon James.

No caso de Eles eram muitos cavalos (e da pentalogia), além das vozes serem dos vencidos, o movimento da história de cada um vai da periferia para o centro, quando de modo geral uma história é contada sempre a partir do centro, sempre do lugar do poder, mesmo a história dos derrotados, como se o poder estivesse dando o aval para o narrador.

Cito um exemplo, só para fechar este comentário, relativamente frouxo, feito apressado pela leitura urgente de uma resenha que me chamou a atenção. Em Vista parcial da noite, terceiro volume de Inferno provisório, há histórias cruzadas, uma infinidade delas. Umas começam com um sujeito desimportante que lá na frente não vai dar em nada, e assim segue o drama coletivo. Todos as histórias se cruzam à medida que os microdramas individuais as vão carregando ou sendo acompanhados pela carga coletiva latente.


Ruffato nos dá, portanto, uma outra dimensão da vida. Esta outra dimensão da vida, narrada pelos derrotados de Marlon James, deve ser o que encantou o júri do Booker Prize. No caso de Ruffato, escritor premiado e reconhecido internacionalmente, se escrevesse em inglês, talvez já tivesse ganhado o mesmo prêmio também.

Nenhum comentário: