Não li ainda A brief history of seven killings, romance do jamaicano Marlon
James, que acaba de ganhar o Booker Prize. Mas uma coisa me chamou a atenção na
resenha de John Freeman sobre o livro, publicada na Folha de S. Paulo de hoje,
em que ele diz “a trama não é narrada pelos vencedores, mas pelos vencidos.” Só
me interessa esta observação, porque parece que o genial e original do romance
de James está nessa manobra de serem os vencidos a contar a história.
São mais de 70 personagens, entre
“prisioneiros, sequestradores, mães, policiais, bandidos gays, capangas,
crianças abandonadas, os ferrados, os maus”, dando as cartas na narrativa. A
voz é plural, portanto, polifônica. As resenhas aparecem para dizer que o livro
é brilhante e confuso, ao mesmo tempo, soberbo, emocionante e, às vezes,
cansativo.
Como não li o livro, quero me ater à ideia
das resenhas (incluindo esta de Freeman), segundo as quais o livro parece
trazer uma novidade na pluralidade das vozes dos vencidos. Pode ser que seja
assim para inglês ver. Pode ser que a literatura de língua inglesa estivesse
carente desse tipo de narrativa. Para mim, o que me interessa na narrativa de
James é o fato de o autor ser um negro da diáspora contando a versão dos
derrotados e sendo premiado por isso pelos brancos da metrópole.
No caso dos vencidos narrando sua história,
na literatura brasileira temos um exemplo fulcral, importantíssimo, que são os
romances de Luiz Ruffato. Não podemos nos
esquecer disso quando formos resenhar o livro de James. Isso porque Ruffato nos
deu uma contribuição ímpar para a história da literatura brasileira, criando
personagens estruturalmente transitórios numa rede de migração que vai da
periferia para o centro e leva junto sua história.
Vemos isso na pentalogia Inferno provisório (Mamma,
son tanto Felice; O mundo inimigo;
Vista parcial da noite; O livro das impossibilidades; Domingos sem Deus) e também em Eles eram muitos cavalos, em que os
estilhaços da narrativa refletem as dezenas de vozes, vozes dos vencidos tais
como as referidas vozes do romance de Marlon James.
No caso de Eles eram muitos cavalos (e da pentalogia), além das vozes serem
dos vencidos, o movimento da história de cada um vai da periferia para o
centro, quando de modo geral uma história é contada sempre a partir do centro,
sempre do lugar do poder, mesmo a história dos derrotados, como se o poder
estivesse dando o aval para o narrador.
Cito um exemplo, só para fechar este
comentário, relativamente frouxo, feito apressado pela leitura urgente de uma
resenha que me chamou a atenção. Em Vista
parcial da noite, terceiro volume de Inferno
provisório, há histórias cruzadas, uma infinidade delas. Umas começam com
um sujeito desimportante que lá na frente não vai dar em nada, e assim segue o
drama coletivo. Todos as histórias se cruzam à medida que os microdramas individuais
as vão carregando ou sendo acompanhados pela carga coletiva latente.
Ruffato nos dá, portanto, uma outra dimensão da vida.
Esta outra dimensão da vida, narrada pelos derrotados de Marlon James, deve ser
o que encantou o júri do Booker Prize. No caso de Ruffato, escritor premiado e
reconhecido internacionalmente, se escrevesse em inglês, talvez já tivesse ganhado
o mesmo prêmio também.
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