Quando
aprendemos a ler e a apreciar a leitura, começamos a criar uma espécie de
biblioteca mental, com livros que lemos e gostamos de ler, que ficaram grudados
na memória e estão sempre ali, disponíveis no acervo de nossas lembranças. Ao
longo da vida, para quem continuou a jornada solitária de leituras, quando se
chega aos 40, já existem algumas centenas, quiçá milhares de livros registrados
na memória.
Eles não estão
na íntegra, como costumam estar nos HDs externos, nos tablets, computadores,
bibliotecas virtuais ou físicas de toda ordem. O que há são fragmentos
valiosos, porque se apresentam ao chamado da memória com uma série de
adicionais, tais como cheiro, cores, espaços, movimento, relações afetivas e
lembranças dentro de lembranças, dentro de lembranças que tangenciam outras
lembranças.
Para alguns
mais afortunados, isso tudo resulta em outros livros. Para a maioria, no
entanto, resulta apenas na fruição ou na informação e na ampliação do
repertório da vida interior, o que não é pouco. Afinal, lemos para encontrar
cérebros mais geniais que o nosso (Harold Bloom) ou estabelecer relações afins
com cérebros que nos pareçam produtivos. O diálogo que o leitor trava dentro do
livro é uma relação de amizade. Segundo Peter Sloterdijk, a filosofia mantém-se
contagiosa justamente porque tem essa capacidade de fazer amigos por meio do
livro.
Nessas
bibliotecas mentais, a diversificação do repertório vai depender do leitor. Há os
que consomem de tudo e conquistam a fama de cultos (se tiverem boa memória). Há
os que se segmentam e podem ser considerados metódicos. Dependendo da
segmentação de leitura, o sujeito enriquece de tal maneira que vislumbra uma
miríade de mundos literários.
Quem se
especializa em Shakespeare, por exemplo, pode passar a vida inteira rastreando
as pegadas translúcidas do gênio inglês e ainda assim lhe faltará vida para
fechar o ciclo. Mas, em compensação, passeia por quase todos os matizes da
cultura ocidental, incluindo o grande lance da subjetividade moderna que brotou
da fonte shakespeariana, segundo Bloom.
Das malhas de
leituras que ajudam a confeccionar um mundo cheio de nuanças em nossa alma,
auxiliando-nos inclusive na capacidade de reconhecer o outro, uma bastante
interessante é a que se erige em nossa biblioteca particular com livros solitários
dentro de nós, de autores que muitas vezes conhecemos de um livrinho apenas,
mas o suficiente para nunca mais esquecermos.
Trata-se de livros
que lemos nas bibliotecas públicas, em casa de um amigo ou entreveremo-nos com
eles em poltronas de livrarias. Depois queremos comprá-los, ou os levamos só na
lembrança. Muitas vezes, é um exemplar raro que jamais teremos condição de
adquirir. Outras, é possível tê-lo, e corremos atrás, achamos um exemplar em
algum sebo, com marcas indeléveis do tempo ou de leituras anteriores, mas a
felicidade se prolonga.
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