Vista parcial do Parque Ibirapuera (2015, domingo por volta das 14 horas): São Paulo é um organismo vivíssimo e em transformação
De
1554 até 1900, São Paulo se restringiu a uma pulsação urbana tímida e solitária
nas dependências que se restringiam entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, com
poucas saliências além. Bom Retiro, Vila Buarque, Higienópolis eram terrenos de
chácaras que começaram a ser loteados nas últimas décadas do século XIX e
começo do XX. É nesse período que o censo percebe que a capital está reagindo e
começando a crescer, já contando 240 mil habitantes.
Se
esta história foi narrada em A capital
da solidão, de Roberto Pompeu de Toledo, este mesmo autor adianta o passo para
contar como tudo virou, dando início à vertigem do crescimento, em A capital da vertigem: uma história de São
Paulo de 1900 a 1954, quando São Paulo completou 450 anos e já tinha 2,8
milhões de pessoas, não apresentando mais os sinais da quietude que lhe fora
peculiar durante todos aqueles séculos anteriores.
Os
tempos agora eram de faustismo e movimento, com tantas coisas acontecendo simultaneamente.
A riqueza do café, a badalação cultural dos modernistas, a chegada de tanta
novidade arquitetônica e urbanística, a ocupação dos imigrantes que burlaram a
política de substituição dos escravos nas fazendas e se aboletaram na cidade,
tudo isso, em poucas décadas, faria a cara de sampa mudar vertiginosamente.
Roberto
Pompeu de Toledo já havia provado seu valor de narrador soberbo no primeiro
volume, em que diz coisas como: “Para recriar na imaginação a vida de São Paulo
nos primeiros anos, é preciso incluir a escuridão, profunda e primitiva, de
suas noites. Acrescente-se o silêncio. Talvez seja recomendável adicionar um
pouco de tristeza. Era um burgo solitário, o mais solitário de todos.”
O
que Toledo fez agora foi ampliar essa verve, mostrando-nos São Paulo e suas mil
faces, desde o motor econômico, com a arrojada gestão de Antonio Prado (seu primeiro prefeito), até as novas ideias modernistas que tomaram conta da Pauliceia. Na década de 1920, com a chegada dos revolucionários da estética modernista,
os paulistanos, segundo Pompeu de Toledo, já sentiam a sensação de aceleração
do tempo “com mais força do que os outros brasileiros.” Eis a vertigem,
produzida nos “anos confiantes, em que a cidade ousou tornar-se maior pela
força da arte e da cultura”.
A
cidade acordada
A
vertigem também se dá pelos inúmeros projetos de urbanização da nova São Paulo
quando ainda não havia o termo urbanização – entre eles a inauguração do Theatro
Municipal, o reordenamento do Vale da Anhangabaú – e pelo aparecimento do
primeiro automóvel na capital, o surgimento do cinema, o barulho de todas as
coisas da modernidade, acordando a cidade de seu silêncio secular.
Essa
aceleração não parou até hoje. Se o autor chamou o período entre 1900 e 1954 de
vertiginoso, o que dizer de 1954 para agora, em que a cidade saltou de 2,8
milhões de habitantes para 11 milhões e ainda puxou a seu redor outra dezena de
milhões de pessoas? Prudente, Toledo contextualiza: “Perto do que é hoje”, diz
ele, a São Paulo dos modernistas ainda ostentava “o ar de vila interiorana.”
Em
A capital da vertigem, Toledo demonstra
um domínio absoluto da história de São Paulo, transversalizando temas como
urbanização, movimentos artísticos, economia, vida noturna e social, política,
comportamento, a dinâmica dos setores produtivos, imigração e o problema das
águas. O autor não deixa nada de fora da biografia, nem mesmo a ascensão pelo
mercado do sexo, narrando histórias de mulheres que alcançaram a alta sociedade
paulistana por meio da prostituição de luxo, como Nenê Romano, como ficou
conhecida Romilda Machiaverni, protagonista de uma tragédia em que foi
assassinada por um dos amantes, Moacyr de Toledo Piza, da alta sociedade, que
depois se matou.
Madame
Sanchez seria outra figura conhecida da noite de luxo paulistana. Ela teria
sido a inspiração para Hilário Tácito (pseudônimo do engenheiro José Maria de Toledo
Malta) escrever o romance conhecidíssimo Madame
Pommery, “uma aula sobre São Paulo”. Até onde se sabe, Roberto Pompeu,
Moacyr Piza e Hilário Tácito dialogam entre si no sobrenome em comum (Toledo),
mas não se avizinham no parentesco (mas vá saber).
Os
muitos nomes, as muitas coisas
No
período narrado por Toledo desfila uma série de eventos históricos e
personalidades diversas, muitas das quais se tornariam nomes de ruas. Vemos
eventos sinistros como a gripe espanhola e a aparição de nomes importantes na
saúde pública do país como Emílio Ribas, Vital Brasil e Adolfo Lutz, a
Revolução de 1932 e o surgimento da Semana de Arte Moderna.
Esta
última entra para a história imprimindo nomes como Oswald de Andrade, Mário de
Andrade, Monteiro Lobato, Anita Malfatti (descoberta em 1917), Menotti del
Picchia, Vitor Brecheret (1920), Juó Bananére (Alexandre Ribeiro Marcondes
Machado), o carioca radicado em Sampa Di Cavalcanti, o maranhense Graça Aranha,
que entra como medalhão da semana de Arte Moderna de São Paulo (embora “de
modernista não tivesse nada”), o intelectual da aristocracia paulistana Paulo
Prado, Heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral (que não participou da Semana de
Arte Moderna, porque estava em Paris) etc.
A
vertigem está presente na chegada do navio japonês Kasato Maru em Santos (1908)
– que faria surgir o Bairro da Liberdade em Sampa – na aglomeração de sonhos e
realizações dos italianos, alemães, árabes, no prenúncio dos arranha-céus, na
criação da USP (1934), na inauguração do Pacaembu (1940), na inauguração da TV
Tupi (1950) etc.
Segundo
Augusto Nunes, em sua resenha sobre o livro de Toledo, na revista Veja, o biógrafo da maior metrópole da
América do Sul ainda trará à luz um terceiro volume. Pois que venha, e será
bem-vindo. Afinal, São Paulo não cessa de produzir e reproduzir suas memórias.
Suas
ruas estão cheias de história, e, embora ela se modifique a cada segundo, com
novas fachadas de prédios, estabelecimentos que fecham e no lugar abrem outros
com novas tendências, a cidade tem um DNA acessível, dentro do qual está o
registro da passagem do tempo e de tudo que ela viveu. São Paulo é um organismo
vivíssimo, e por isso, ainda hoje, pulsa como um espaço em transformação.
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