terça-feira, 3 de março de 2015

Rabiscando Proust

Roland Barthes, o insuspeito, escreve o seguinte em seu pequeno e instrutivo livro O Prazer do Texto: "É o próprio ritmo daquilo que se lê e do que não se lê que produz o prazer dos grandes relatos: ter-se-á alguma vez lido Proust, Balzac, Guerra e paz, palavra por palavra?" Em outras palavras, ele pergunta: que tipo de idiota leria esses caras sem pular páginas? Foi assim, um idiota, que me senti, mas de modo muito bem resolvido. Achei graça. E depois, Barthes ainda completa com uma doce ironia e compensação: "(Felicidade de Proust: de uma leitura a outra, não saltamos nunca as mesmas passagens.)"

Em seguida fecha a lição com uma grande aula em um curto parágrafo: " O que eu aprecio, num relato, não é pois diretamente o seu conteúdo, nem mesmo sua estrutura, mas antes as esfoladuras que imponho ao belo envoltório: corro, salto, ergo a cabeça, torno a mergulhar. Nada a ver com a profunda rasgadura que o texto da fruição imprime à simples temporalidade de sua leitura."

Barthes tem razão. Preocupar-se com a leitura de um texto se baseando na capacidade de ler palavra por palavra é perda de tempo, embora seja uma perda mais valorosa que outras perdas. Li cada página - meus olhos correram por cada palavra - dos sete volumes de Em busca do tempo perdido, de Proust, entre 2003 e 2004. E a prova de que Barthes tinha razão é que estou relendo Proust de novo, estou no terceiro volume já, O caminho de Guermantes, e há muita coisa que estou descobrindo como novidade, como se não tivesse lido antes. Aqui já é uma história que todos sabem. Todo mundo que relê sabe que encontra novidade nos grandes relatos, na alta literatura. A diferença de minha leitura é que - na primeira vez, fiz anotações no computador, que foi roubado - agora estou fazendo rabiscando, sublinhando o próprio Proust.

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