Roland Barthes, o insuspeito, escreve o seguinte em seu pequeno e
instrutivo livro O Prazer do Texto: "É o próprio ritmo daquilo
que se lê e do que não se lê que produz o prazer dos grandes
relatos: ter-se-á alguma vez lido Proust, Balzac, Guerra e paz,
palavra por palavra?" Em outras palavras, ele pergunta: que tipo
de idiota leria esses caras sem pular páginas? Foi assim, um idiota,
que me senti, mas de modo muito bem resolvido. Achei graça. E
depois, Barthes ainda completa com uma doce ironia e compensação:
"(Felicidade de Proust: de uma leitura a outra, não saltamos
nunca as mesmas passagens.)"
Em seguida fecha a lição com uma grande aula em um curto parágrafo:
" O que eu aprecio, num relato, não é pois diretamente o seu
conteúdo, nem mesmo sua estrutura, mas antes as esfoladuras que
imponho ao belo envoltório: corro, salto, ergo a cabeça, torno a
mergulhar. Nada a ver com a profunda rasgadura que o texto da fruição
imprime à simples temporalidade de sua leitura."
Barthes tem razão. Preocupar-se com a leitura de um texto se
baseando na capacidade de ler palavra por palavra é perda de tempo,
embora seja uma perda mais valorosa que outras perdas. Li cada página
- meus olhos correram por cada palavra - dos sete volumes de Em
busca do tempo perdido, de Proust, entre 2003 e 2004. E a prova
de que Barthes tinha razão é que estou relendo Proust de novo,
estou no terceiro volume já, O
caminho de Guermantes, e há muita coisa que estou
descobrindo como novidade, como se não tivesse lido antes. Aqui já
é uma história que todos sabem. Todo mundo que relê sabe que
encontra novidade nos grandes relatos, na alta literatura. A
diferença de minha leitura é que - na primeira vez, fiz anotações
no computador, que foi roubado - agora estou fazendo rabiscando,
sublinhando o próprio Proust.
...
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