A expressão “cinema dos olhos” é de Vinicius de Moraes. “Vi,
com o Cinema de meus olhos, o panorama alucinante da Criação
permanente”, disse ele em uma carta ao físico Giuseppe Occhialini,
em 1942, sobre uma noite em Londres em que olhava o céu. Falava da
dança do universo, portanto, de movimento.
Vinícius era apaixonado pelo cinema. Sua poesia, sobretudo Tríptico
na Morte de Sergei Mikhailovitch Eisenstein, me fez compreender
que esta é a arte de revelar instantes, porque, além de captar o
movimento pelos frames e eternizá-los, todo o conjunto das cenas
revela momentos que nos fazem entender um destino inteiro.
Do mesmo modo, a capacidade de pintar um quadro com as cores do real,
revelando-nos um universo particular, está no cinema de Cláudio
Assis. Sua trilogia inicial, Amarelo Manga, Baixio das
Bestas e Febre do Rato, nos mostra um imenso amor pelos
pobres.
Amarelo Manga, seu primeiro filme, faz uma leitura contemporânea
acre-doce de Recife. O amarelo convertido. No lugar do ouro, a cor da
febre, das feridas carcomidas, o amarelo da pele desmaiada pela
miséria. Tudo cuidadosamente sugerido com imagens soberbas do
anticlean fotográfico, em meio a uma riqueza de vida.
A sexualidade, a violência cotidiana, o esquecimento pelo Estado
perpassam o cinema de Assis, mas nada de compaixão. Ele retrata a
pobreza com amor e dureza, o lirismo escondido atrás das imagens
fortes. Em Baixio das Bestas, o pobre vem preso às garras do
seu algoz, a aristocracia feroz do sertão pernambucano.
Já Febre do Rato, em preto e branco, seu melhor filme até
agora, é tão recifense. Não o Recife da alta roda, mas o dos
marginalizados, com a vida rica e alegre permeando a pobreza triste.
Seu amor aos pobres não tem fingimento sociológico. De origem
humilde, nascido no sertão de Pernambuco, Assis é uma espécie de
Kurosawa do Nordeste, não o Kurosawa das espadas e da suntuosidade,
mas o das delineações singelas devotadas aos marginalizados ou
fragilizados em Dodeskaden, Rashomon, Dersu Uzala
e Madadayo.
Com Assis, no entanto, não há sutilezas. Ele é cortante. E justiça
seja feita a Hilton Lacerda, roteirista de todos os filmes dele e de
outros pernambucanos como Lírio Ferreira, de Baile Perfumado
e Árido Movie.
Além disso, os filmes de Assis atraem estrelas como lâmpadas acesas
puxam mariposas, um rol iluminado por Leona Cavalli, Caio Blat, Jonas
Bloch, Dira Paes. Irandhir Santos, que está em Baixio das Bestas
e Febre do Rato, é um ator excepcional. Seus gestos
corporais, as entonações de voz e o ritmo da fala são como água
no desenho do recipiente. Está à altura de Matheus Nachtergaele, um
grande ator que virou fetiche cinematográfico do cineasta, seu
Mastroianni, presente na trilogia do pernambucano. O cinema dos olhos
de Cláudio Assis também é o dos meus.
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