segunda-feira, 12 de julho de 2010

Para estimular professores

Ford: "Em meio ao mais humilde dos ambientes
podem despontar heróis com poderes milagrosos"

Quando estava na faculdade, eu dava aulas em Nova York, durante o verão, para secundaristas afro-americanos que haviam repetido o ano anterior e eram rotulados de ‘alunos problemáticos’. Num período, dei um curso de geometria sem um só livro de matemática; em vez do livro, cada aluno tinha um exemplar dos discursos de Malcolm X. Meu raciocínio era que primeiro esses jovens deveriam aprender a apresentar um problema e depois elaborar uma justificativa lógica – coisa em que Malcolm X era extremamente bem dotado, coisa que a maioria dos garotos ‘de rua’ sabia fazer bem, coisa que, afinal, é a essência da geometria do colegial. Ela poderia ser chamada de geometria ‘rap’.

“De início, ficaram encantados, depois um pouco revoltados, durante as duas primeiras semanas de um curso de oito. Em meio à alegria de ler os discursos de Malcolm surgiam protestos dos jovens, do tipo: ‘Talvez você não saiba nada de geometria, porque isso não é aula de geometria.’

“‘Como é que você pode saber?’, respondia eu bem-humorado. ‘Você bombou em geometria mesmo!’

“Mais ou menos no momento em que comecei a traçar uma relação entre a lógica de Malcolm e a comprovação da simetria entre dois triângulos, um aluno chamado Victor se aproximou e disse com voz mansa: ‘Sr. Ford, acho que entendi aonde o senhor quer chegar. Posso tentar dar a próxima aula?’

“Fiquei embasbacado! Eu tinha a minha frente um aluno classificado pelo sistema educacional como ‘incapaz de aprender’ que pedia para ensinar a minha turma. Contei ao Victor o que eu havia planejado para a aula seguinte e dei a ele instruções sobre os principais pontos que eu gostaria que os alunos entendessem. No dia seguinte, assisti estupefato à aula dele nesse curso de geometria, muito mais convincente do que as minhas – porque Victor estava empolgado com o recém-descoberto dom da compreensão. Eu dei só mais poucas aulas até o final do verão, rendendo-me sempre a chama de conhecimento acesa nesse adolescente notável. Em meio ao mais humilde dos ambientes podem despontar heróis com poderes milagrosos. (Clyde W. Ford, in: O herói com rosto africano – mitos da África, Summus/Selo Negro, 1999, 310 páginas)

Quem é ele?

O norte-americano de origem africana Clyde W. Ford é quiroprático, psicoterapeuta que trabalha com um sistema de cura (quiroprática) segundo o qual a manipulação da coluna, e das estruturas do corpo, é a chave para o alívio de todos os males. É também estudioso da cultura e dos mitos da África.

Nasceu em Nova York, em 1951, e aos 19 anos começou a trabalhar como analista de sistemas para a IBM. Aos 26, decidiu deixar um bom salário para trás e seguir seu ideal, a carreira de psicoterapeuta e escritor. É fundador-diretor do Instituto de Mitologia Africana (IAM, sigla em inglês), em Washington.

Clyde W. Ford tem um site: Clyde Ford.com

Seu canto é: clyde@clydeford.com

Serviço

Título: O herói com rosto africano – mitos da África
Autor: Clyde W. Ford
Editora: Summus/Selo Negro, 1999, 308 páginas
Preço: R$ 57,40

OBS: O livro analisa os mitos africanos, conforme indica o subtítulo. O texto postado é apenas um testemunho do autor sobre como certos elementos negativos se sedimentam no inconsciente coletivo, fazendo grupos inteiros de pessoas acreditarem que são incapazes de realizar algo positivo.

2 comentários:

Leila Silva disse...

Uau, fiquei morrendo de vontade de ler este livro.
Fiquei imaginando este grupo dele um pouco como o do filme Preciosa, você viu?
Abraço

Gilberto G. Pereira disse...

Oi, Leila! Eu vi Preciosa, e gostei. Essa história de Ford é mesmo sobre alguém com o mesmo perfil de Preciosa, aliás, coisa muito fácil de se encontrar lá e cá, né. Mas o livro de Ford é sobre os mitos africanos, que também são arquétipos da condição humana, tanto quanto os da mitologia grega. Essa história interessante que ele conta é justamente para pôr no exemplo o quanto falta às classes desfavorecidas o conhecimento arquetípico do herói na história de sua própria gente, de sua própria cultura. O livro é de fato muito interessante. Grande abraço, Leila!