Wilson Martins (1921 - 2010): “Não escrevo sobre autores, escrevo sobre livros.”
“O Brasil é o único país do mundo que tem uma história da inteligência escrita por uma pessoa que não prima pela inteligência.” A frase é atribuída a Haroldo de Campos, crítico ferrenho de Wilson Martins, o suposto intelectual burro, autor do monumental História da inteligência brasileira (sete volumes) e de Pontos de vista, reunião de seus artigos para a imprensa brasileira ao longo de mais de 50 anos, em 14 volumes.
Campos, outro gigante que praticamente fundou as diretrizes de ensino de literatura na PUC de São Paulo, já morreu faz alguns anos, em 2003, e Martins acaba de morrer. Faleceu no sábado passado, 30 de janeiro, em Curitiba, cidade onde morava.
Acontece que Martins, ao contrário das invectivas de Campos, era um homem sábio, erudito e seguro do saber que detinha. Foi o primeiro estudioso brasileiro a se debruçar sobre a história da palavra escrita, traçando um perfil das cavernas das letras aos dias atuais.
Muito antes do francês Roger Chartier se tornar famoso pelos livros e palestras sobre o mesmo assunto, décadas antes do argentino Alberto Manguel conquistar o público brasileiro com o ótimo Uma história da leitura, Martins, em 1957, já havia publicado A palavra escrita: história do livro, da imprensa e da biblioteca, livro que merece o respeito e a atenção de quem se interessa por cultura humana.
Em 2005, numa entrevista a Norma Couri, Martins comenta o anátema de Campos. “Raciocinar por meio de insultos faz efeito, mas não significa nada.” Nessa mesma entrevista, ele ensina qual é o papel do crítico literário, numa frase também curta, também lapidar. “Não escrevo sobre autores, escrevo sobre livros.” Ou seja, um autor pode ser bom e querido de todos, mas seu próximo livro, ruim. E o fato de ser o autor quem seja não deve impedir o crítico de criticar o livro.
Em outro trecho, Martins continua a aula:
“Não é um crítico que forma opinião. É um conjunto de pontos de vista. Um crítico é usado por certa camada da população que tem os mesmos gostos, identidade e ideologia. Os que pertencem a um campo diferente não se reconhecem nele. Pessoas que se dizem guiar pela crítica oral estão cometendo um erro de perspectiva: porque os amigos leram as críticas. A crítica oral é poderosa e o que se acaba formando é a média de opinião.”
Wilson Martins nasceu em 1921, em São Paulo, mas foi morar em Curitiba muito jovem, onde começou a dar aulas, na Universidade Federal do Paraná. Depois foi para os Estados Unidos lecionar na Universidade de Nova York e ficou lá por mais de duas décadas. Aposentou-se e continuou atuando como crítico aqui no Brasil, escrevendo para O Globo, do Rio de Janeiro, e Gazeta do Povo, de Curitiba.
Um de seus alunos brasileiros lembra as aulas em Nova York, num texto comovente, agora após sua morte. Marcelo Tas escreveu em blog no dia 1º de fevereiro:
“Em 1987, fui morar fora do Brasil, com uma bolsa da Fulbright, para estudar cinema na NYU- Universidade de Nova York. Alertado por um amigo- o designer Marcello Dantas- passei a frequentar uma concorrida aula de Literatura Brasileira, que acontecia toda semana num prediozinho antigo, de quatro andares numa travessa que levava à sempre agitada Washington Square.
Para minha surpresa, esses encontros em torno de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Aluizio Azevedo em plena Manhattan me fizeram reaprender a olhar o nosso país. O curso era ministrado pelo mestre Wilson Martins, crítico literário, que cativava a todos com sua inteligência, sagacidade e humor.
Tinha muito gringo que aprendia português só para não perder a chance de saborear os trechos dos clássicos da nossa literatura que Martins fazia questão de ler na língua pátria.”
Para fechar o adeus ao mestre, segue um pequeno trecho da entrevista concedida a Norma Couri por este que talvez seja o último dos grandes críticos brasileiros.
NC - O senhor vê a literatura do Paulo Coelho como amador.
WM - Paulo Coelho não é fenômeno literário. Do ponto de vista literário ele não é nada. Como fenômeno, ele é sociológico. Responde a um estado de espírito generalizado e faz sucesso no mundo inteiro. Pega parábolas bíblicas e reescreve seculares lendas árabes, cola aquilo tudo e faz o livro. Uma espécie de vidente. A injustiça é julgar isso como literatura.
NC - Mas o senhor também criticou o Nélson Rodrigues, que era popular.
WM - Popularíssimo, ficou mais ainda depois da biografia do Ruy Castro que, na verdade, reinventou o Nélson, conferiu a ele uma estatura que ele não tinha e que sua obra, marcada pela psicanálise amadora, não justifica. É preciso esclarecer um dos grandes mal-entendidos deste século. O sucesso de Vestido de Noiva deve-se à montagem do Ziembinski. As peças do Nélson são provocativas, famílias com 15 adultérios, um caso a estudar acrescido da reconstrução que o livro do Ruy Castro executou.
Leia a entrevista na íntegra no Jornal de Poesia.
Campos, outro gigante que praticamente fundou as diretrizes de ensino de literatura na PUC de São Paulo, já morreu faz alguns anos, em 2003, e Martins acaba de morrer. Faleceu no sábado passado, 30 de janeiro, em Curitiba, cidade onde morava.
Acontece que Martins, ao contrário das invectivas de Campos, era um homem sábio, erudito e seguro do saber que detinha. Foi o primeiro estudioso brasileiro a se debruçar sobre a história da palavra escrita, traçando um perfil das cavernas das letras aos dias atuais.
Muito antes do francês Roger Chartier se tornar famoso pelos livros e palestras sobre o mesmo assunto, décadas antes do argentino Alberto Manguel conquistar o público brasileiro com o ótimo Uma história da leitura, Martins, em 1957, já havia publicado A palavra escrita: história do livro, da imprensa e da biblioteca, livro que merece o respeito e a atenção de quem se interessa por cultura humana.
Em 2005, numa entrevista a Norma Couri, Martins comenta o anátema de Campos. “Raciocinar por meio de insultos faz efeito, mas não significa nada.” Nessa mesma entrevista, ele ensina qual é o papel do crítico literário, numa frase também curta, também lapidar. “Não escrevo sobre autores, escrevo sobre livros.” Ou seja, um autor pode ser bom e querido de todos, mas seu próximo livro, ruim. E o fato de ser o autor quem seja não deve impedir o crítico de criticar o livro.
Em outro trecho, Martins continua a aula:
“Não é um crítico que forma opinião. É um conjunto de pontos de vista. Um crítico é usado por certa camada da população que tem os mesmos gostos, identidade e ideologia. Os que pertencem a um campo diferente não se reconhecem nele. Pessoas que se dizem guiar pela crítica oral estão cometendo um erro de perspectiva: porque os amigos leram as críticas. A crítica oral é poderosa e o que se acaba formando é a média de opinião.”
Wilson Martins nasceu em 1921, em São Paulo, mas foi morar em Curitiba muito jovem, onde começou a dar aulas, na Universidade Federal do Paraná. Depois foi para os Estados Unidos lecionar na Universidade de Nova York e ficou lá por mais de duas décadas. Aposentou-se e continuou atuando como crítico aqui no Brasil, escrevendo para O Globo, do Rio de Janeiro, e Gazeta do Povo, de Curitiba.
Um de seus alunos brasileiros lembra as aulas em Nova York, num texto comovente, agora após sua morte. Marcelo Tas escreveu em blog no dia 1º de fevereiro:
“Em 1987, fui morar fora do Brasil, com uma bolsa da Fulbright, para estudar cinema na NYU- Universidade de Nova York. Alertado por um amigo- o designer Marcello Dantas- passei a frequentar uma concorrida aula de Literatura Brasileira, que acontecia toda semana num prediozinho antigo, de quatro andares numa travessa que levava à sempre agitada Washington Square.
Para minha surpresa, esses encontros em torno de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Aluizio Azevedo em plena Manhattan me fizeram reaprender a olhar o nosso país. O curso era ministrado pelo mestre Wilson Martins, crítico literário, que cativava a todos com sua inteligência, sagacidade e humor.
Tinha muito gringo que aprendia português só para não perder a chance de saborear os trechos dos clássicos da nossa literatura que Martins fazia questão de ler na língua pátria.”
Para fechar o adeus ao mestre, segue um pequeno trecho da entrevista concedida a Norma Couri por este que talvez seja o último dos grandes críticos brasileiros.
NC - O senhor vê a literatura do Paulo Coelho como amador.
WM - Paulo Coelho não é fenômeno literário. Do ponto de vista literário ele não é nada. Como fenômeno, ele é sociológico. Responde a um estado de espírito generalizado e faz sucesso no mundo inteiro. Pega parábolas bíblicas e reescreve seculares lendas árabes, cola aquilo tudo e faz o livro. Uma espécie de vidente. A injustiça é julgar isso como literatura.
NC - Mas o senhor também criticou o Nélson Rodrigues, que era popular.
WM - Popularíssimo, ficou mais ainda depois da biografia do Ruy Castro que, na verdade, reinventou o Nélson, conferiu a ele uma estatura que ele não tinha e que sua obra, marcada pela psicanálise amadora, não justifica. É preciso esclarecer um dos grandes mal-entendidos deste século. O sucesso de Vestido de Noiva deve-se à montagem do Ziembinski. As peças do Nélson são provocativas, famílias com 15 adultérios, um caso a estudar acrescido da reconstrução que o livro do Ruy Castro executou.
Leia a entrevista na íntegra no Jornal de Poesia.
Um comentário:
Adorei o post, conheci um pouco mais do homem...e gostei, vou procurar mais.
abraço
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