Lao-Tzu
Se um dia você for à China e alguém lá, em chinês, te chamar de orelhudo, não se ofenda. A pessoa está fazendo um elogio incomensurável, um elogio do tamanho da orelha que você tem. Para se ter uma ideia do valor desse afago, o grande sábio Lao-Tzu, autor do Tao-te king, era chamado na juventude de Orelha.
Quando envelheceu ficou conhecido como Lao Dan, ou “velha orelha comprida”, que em outras palavras significa “orelhudo de idade avançada”, ou, simplesmente, “velho professor.”
Lao-Tzu era tão orelhudo que nada de sua vida real conseguiu suportar o mito criado em torno de seu elevado espírito. Reza a lenda que ao deixar a corte imperial, onde trabalhava como arquivista, viajou para as montanhas cavalgando um búfalo (“a suavidade conduzindo a força”).
Ao passar a fronteira da cidade, o guarda pediu-lhe que deixasse alguma coisinha escrita, algo que o entretivesse naqueles dias difíceis de crise no reino, de pressão política e estresse emocional, em função da deprimente situação da corte. Lao-Tzu consentiu, e ali mesmo escreveu o Tao-te king, com mais de cinco mil caracteres.
Na minha adolescência comecei a ler trechos do Tao-te king. Logo descobri certas conexões que me levaram a desconfiar da verdade do universo. Imediatamente recuei. Não por sabedoria ou por modéstia. Talvez por medo de me tornar um grande sábio. E eu não estava preparado para tanto. Algo em mim, no fundo (ou no raso) de minha alma dizia que aquele caminho era sem volta. Era alguma coisa semelhante a um barato, como uma maconha bem fumada, ou sei lá, cujo efeito seria para sempre.
Naquele momento, preferi minha ignorância, da qual nunca mais tive a oportunidade de me livrar. Ao começar a ler o Tao-te king e em seguida rejeitá-lo, criei um vazio estarrecedor em mim. Tornei-me um orelhudo de marca maior, mas não do tipo do sábio chinês, mas do tipo brasileiro mesmo. Estou no tao do não-saber, no caminho ig que não leva ao ígneo, mas à ignorância viva. “Jamais me revelarei”.
O não saber de Lao-Tzu o leva ao suportável vazio de tudo poder conter. Seu epíteto de orelhudo é porque sabia ouvir, e por isso era sábio. Minha orelha, pelo lado de cá, é tão (não tao) grande que veda a passagem do som e não me permite ouvir. Tenho duas orelhas e uma boca, mas nem por isso consigo ouvir mais e falar menos. Tagarelo mais que a Anamara do BBB.
Aquele negócio de Lao-Tzu sofrer uma crise existencial de não saber se é uma borboleta ou um homem é suspeito. Tudo é suspeito. A vida é suspeita de não ser vida. Estamos todos mortos na perspectiva infinita do tempo. ‘Viver é um troço muito perigoso’. ‘É muito esculacho nessa vida’.
Uma orelha só não faz o surdo. Um olho só não faz o cego. Uma boca só faz o maior dos estragos. Um cérebro à deriva é um búfalo no arrozal. E esse negócio de orelha faz a gente delirar mais do que o personagem de A lua vem da Ásia, o mais louco, o mais lírico, o mais escondido dos textos geniais de nossa literatura.
Quando envelheceu ficou conhecido como Lao Dan, ou “velha orelha comprida”, que em outras palavras significa “orelhudo de idade avançada”, ou, simplesmente, “velho professor.”
Lao-Tzu era tão orelhudo que nada de sua vida real conseguiu suportar o mito criado em torno de seu elevado espírito. Reza a lenda que ao deixar a corte imperial, onde trabalhava como arquivista, viajou para as montanhas cavalgando um búfalo (“a suavidade conduzindo a força”).
Ao passar a fronteira da cidade, o guarda pediu-lhe que deixasse alguma coisinha escrita, algo que o entretivesse naqueles dias difíceis de crise no reino, de pressão política e estresse emocional, em função da deprimente situação da corte. Lao-Tzu consentiu, e ali mesmo escreveu o Tao-te king, com mais de cinco mil caracteres.
Na minha adolescência comecei a ler trechos do Tao-te king. Logo descobri certas conexões que me levaram a desconfiar da verdade do universo. Imediatamente recuei. Não por sabedoria ou por modéstia. Talvez por medo de me tornar um grande sábio. E eu não estava preparado para tanto. Algo em mim, no fundo (ou no raso) de minha alma dizia que aquele caminho era sem volta. Era alguma coisa semelhante a um barato, como uma maconha bem fumada, ou sei lá, cujo efeito seria para sempre.
Naquele momento, preferi minha ignorância, da qual nunca mais tive a oportunidade de me livrar. Ao começar a ler o Tao-te king e em seguida rejeitá-lo, criei um vazio estarrecedor em mim. Tornei-me um orelhudo de marca maior, mas não do tipo do sábio chinês, mas do tipo brasileiro mesmo. Estou no tao do não-saber, no caminho ig que não leva ao ígneo, mas à ignorância viva. “Jamais me revelarei”.
O não saber de Lao-Tzu o leva ao suportável vazio de tudo poder conter. Seu epíteto de orelhudo é porque sabia ouvir, e por isso era sábio. Minha orelha, pelo lado de cá, é tão (não tao) grande que veda a passagem do som e não me permite ouvir. Tenho duas orelhas e uma boca, mas nem por isso consigo ouvir mais e falar menos. Tagarelo mais que a Anamara do BBB.
Aquele negócio de Lao-Tzu sofrer uma crise existencial de não saber se é uma borboleta ou um homem é suspeito. Tudo é suspeito. A vida é suspeita de não ser vida. Estamos todos mortos na perspectiva infinita do tempo. ‘Viver é um troço muito perigoso’. ‘É muito esculacho nessa vida’.
Uma orelha só não faz o surdo. Um olho só não faz o cego. Uma boca só faz o maior dos estragos. Um cérebro à deriva é um búfalo no arrozal. E esse negócio de orelha faz a gente delirar mais do que o personagem de A lua vem da Ásia, o mais louco, o mais lírico, o mais escondido dos textos geniais de nossa literatura.