terça-feira, 14 de março de 2017

Todos os homens são mortais, romance filosófico de Beauvoir, nos mostra o valor da vida

Amando ou sem amar, morreremos do mesmo jeito, mas sem amor, tudo terá sido em vão    

Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, é um romance-ensaio sobre a angústia de um imortal. Este homem fatídico é Raymond Fosca. Seu drama é ver tudo se transformando, desaparecendo, criando lodo e ferrugem ao seu redor, enquanto ele mesmo perdura imperecível em sua imortalidade.

Fosca apenas vê a vida passar, vê o tempo agindo sobre todos os corpos, o amor nascendo e se desfazendo, a vigorosa juventude dos outros perdendo espaço para células envelhecidas e decadentes até que morram.

É um thriller existencial, publicado em 1944, período áureo do existencialismo francês. No Brasil, foi publicado algumas vezes, sendo a última em 1983 (Nova Fronteira, ainda com a tradução de Sérgio Milliet, que morrera em 1966). A crítica não deu muita bola para o livro de Beauvoir, mas nos tempos céleres em que vivemos, vale dar uma conferida nele, sob o pretexto de que a existência humana pede mais que essa correria atrás de sucesso e ostentação. O romance não trata exatamente disto, mas é uma chave para tal reflexão.

Todos os homens são mortais trata do interesse pela vida em função do outro. Viver é existir para o outro, olhar ao redor, encher-se de amor e oferecê-lo a alguém, porque senão, a vida passa, morre-se e tudo desaparece na amplidão do tempo. E aí, nada terá valido a pena.

Raymond Fosca tornou-se imortal no século XIII, depois de se tornar rei de Carmona, quando desenvolveu e testou em si mesmo e num ratinho um elixir que lhes daria vida eterna, e deu. Ambos, homem e rato, não envelhecerem desde então.

No momento da trama, já era século XX. O rato provavelmente jamais elevou-se em alguma consciência que o fizesse se deparar com a crueldade do tempo passando. Mas Fosca, este sim, depois do primeiro século, desistiu de viver sem poder morrer. Só quando se sentia amado de verdade reacendia-lhe a chama da vida.

Para viver, é preciso amar

Quando Régine conheceu Fosca, num hotel de Rouen, tenta levá-lo para Paris, e ele pergunta a ela: “Você me ama?”

Como thriller existencial, romance filosófico, Todos os homens são mortais mostra que o tempo é uma carruagem movida pelo interesse humano, pelo desejo de viver. Quando se perde o interesse pela vida, o tempo para. E aí já não resta mais nada a não ser a morte.

Para um mortal, essa questão pode ser resolvida com o suicídio (se bem que se um imortal se jogar na cratera de um vulcão em atividade, duvido muito que ele sobreviva, mas entremos no jogo de Beauvoir).

Para seres como Fosca, o dilema é outro. Ao se deparar imortal, não é que Fosca tenha perdido o interesse pela humanidade simplesmente. Ele amou e perdeu, amou e perdeu, e passou a olhar “as pessoas como se fossem nuvens.” O tempo vence o amor e, portanto, a vida.

Fosca é o um homem que viveu por tantos séculos (700 anos) que esqueceu o que é viver, esqueceu o que significa o fôlego da existência. Neste sentido, o romance de Beauvoir nos dá a perspectiva do que é tempo, existência e vida.

Ao retratar a tragédia da imortalidade, o romance chama a atenção para nossa mortalidade. Mostra que, se queremos viver realmente, temos de angariar afeto, encontrar uma causa pela qual lutar, temos de nos deixar amar e amar também. Senão, o que temos não é vida, é só uma existência vazia, como a do imortal Fosca. A imortalidade é um vazio.

Sem sermos imortais, amando ou sem amar, morreremos do mesmo jeito. Mas, sem amor, sem afeto, tudo terá sido em vão.


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