Começa aqui uma série de textos tagueados pelo título acima, sobre minha viagem de duas semanas a Nova York. Os textos serão guiados pela força expressiva da leitura, sobretudo a literária. Afinal, foram os livros que me trouxeram até aqui, é sobre literatura que escrevo e de literatura minha alma abastece todos os dias. Uma das razões pelas quais transformo essa experiência em texto é o fato notório, sabemos disso, de que uma viagem transforma a alma, rediagrama o imaginário. Quero registrar essa transformação, quero averiguar sua extensão.
Quando
a viagem é para um lugar que já ocupa o imaginário com um sem-número de
símbolos, e este é o caso de Nova York, o que ela faz é redimensionar os
horizontes do provável. É preciso dar importância a um evento desses. Por isso
escrevo.
Obviamente,
quem nasce no bojo das oportunidades e cresce fazendo altas viagens, falando
várias línguas, imergindo em culturas diferentes, tem uma configuração
diferente dos espaços. Não é o meu caso. Minha experiência é bem outra, que se
revelará, espero, ao longo do caminho.
Um
segundo motivo para a publicação é mostrar que tipo de aprendizado levarei
comigo a partir da transformação no bojo desta viagem. A ideia é descobrir como
a literatura e meus aprendizados anteriores me ajudarão a mergulhar num mundo
estrangeiro em tão pouco tempo e sair de lá com algo novo. A pergunta crucial
é: que tipo de diálogo, de tensão, de conflito, meu eu formado terá com essa
nova experiência?
Meus
interlocutores imaginários serão meus amigos que - por acaso ou de caso pensado
- acessarem meu blog. Outro grupo especial de interlocutores que eu adoraria
que acessasse o Leituras do Giba é o
de pessoas parecidas comigo na origem social ou étnica.
Sou
afro-indígena, pobre e do interior do país, filho de pais semianalfabetos que
certamente nunca leram um livro na vida. Eles estão mortos agora. Minha mãe
sequer me viu ingressando na faculdade de Jornalismo da Universidade Federal de
Goiás, em Goiânia, onde moro atualmente com mulher e filha (que estão viajando
comigo). Meu Pai não me viu terminar a faculdade, em 2000, e ir pra São Paulo
fazer o Curso Abril de Jornalismo em Revista.
Uma
terceira interlocução, que não descarta a intersecção com as outras, é o grupo
de quem aprecia diálogos e ama a literatura. Essa maçaroca de histórias,
portanto, é para os que se interessam por viagens, por literatura, pela escrita
e por Nova York.
Neste
sentido, meu blog procura refletir uma qualidade humanista. Pretende atingir
positivamente outras pessoas a partir da literatura e seu redor. Segundo Peter
Sloterdijk, em Regras para o parque
humano, a função do humanismo é criar uma “comunicação de amizade realizada
à distância por meio da escrita.” Esta é a pretensão dos textos do Leituras do Giba, e agora, com mais
ênfase, é o objetivo também deste diário.
A
viagem a Nova York foi planejada com bastante tempo. Mas o tempo de estadia é
curto, e Nova York, portanto, é só o pretexto. O contexto mesmo é Manhattan,
mas não necessariamente a dos holofotes gigantes, embora tudo se ilumine na velha
Nova Amsterdã, embora eu deva garimpar algum fôlego para explorar, um pouquinho
que seja, os outros distritos.
A
questão é: será que o encanto sobreviverá à viagem? Será que vou encontrar
coisas novas, que ainda não vi nos jornais, nas revistas, nos filmes, nos
livros, nas conversas sobre a cidade, na ficção fingida, aquela que translitera
verdades como se fossem mentiras?
Nova
York não me espera. Serei solenemente ignorado por milhões de olhos, passarei
eufórico por arquiteturas soberbas que me ignorarão, por luzes velozes
trincando minhas expectativas. Mas não receio o silêncio. Serei só mais um, eu
sei. No entanto, sei também o que quero dela.
Quero
o chão, o tato das ruas, o cheiro e o som conduzidos pelo vento. Quero o Harlem
e sua renascença. Saberei quando for vento do leste e do oeste. Busco sua
tessitura histórica. Evoco a claridade calorosa da Marcus Garvey Square, a
resistência vivida da Washington Square. Quem conhece a biografia de Janet
Jacobs sabe do que estou falando. Quero a sabedoria sistemática de Alain Locke.
A
Estátua da Liberdade, coitada, não contém 1% de minhas expectativas. Statue of
Liberty, what a pitty! Mas se não visitá-la para dizer “Hello!”, não terei ido
a Nova York. Terei de subir lá para cumprimentá-la e dizer: “Hello, it’s not
you I’m looking for”. Faz parte do show, e será uma parte tão pequena que
sequer ameaça atrapalhar o show de sensações dentro de mim.
São
as aventuras intelectuais que me levarão a Nova York, em meio a afagos e
promessas de pai, nascida de conversas com uma certa infância, que me é cara
também. Como já disse, minha mulher e minha filha me acompanham nessa viagem, e
para cada coração há uma expectativa. Minha irmã mais velha se juntará a nós
também, nesta quinta-feira (7 de julho), quando chegarmos ao JFK, vindo de
Charleston, onde está passando uns meses com amigos.
Não
me lembro mais quando foi que li ou ouvi o nome Nova York pela primeira vez.
Mas acho que a origem de meu fascínio por Manhattan possa ser Gotham City
(memórias fictícias?). Também há a história de um atlas, que virá depois (perchance).
Os
prédios estilizados. Batman fitando a noite sobre os arranha-céus. Batman veloz
no batmóvel em uma das ruas retas com prédios enfileirados. Estas são as únicas
cenas de que me lembro das HQs do velho morcego. Não sou fã do herói taciturno
da DC, mas confesso que ficava fascinado pelas sombras dos espigões de Gotham
City ao folhear as revistas sem poder comprá-las, quando garoto, no pé de uma
banca.
Nessa
época, eu tinha uns 9 anos e morava numa cidadezinha de 4 mil habitantes no
interior do Mato Grosso chamada Porto Alegre do Norte. O Homem-Aranha seria
mais parecido comigo. Suas aventuras pelas paredes dos mesmos prédios, no
entanto, não me chamaram a atenção naquela época. No soturno coração de
Manhattan passeava Batman. Foi ele, o homem-morcego, que fez pulsar no meu
rubro coração a primeira consciência de Nova York.
Não
sei se já sabia que Gotham City era Nova York, e que as fileiras de prédios
configuravam Manhattam. Mas em algum momento as duas coisas embaralharam em
minha memória. De livro em livro, de leitura em leitura, Nova York foi criando
contornos cujo cerne sempre foram os espigões da ilha dos lenapes.
Dia 1 (6 de julho de 2016)
O
começo é mesmo pobre. Depois, talvez melhore, talvez algo aconteça pelo caminho,
e o que era prosaico torna-se heroico e rico.
Saímos
de casa, na Vila Nova em Goiânia, bairro que aprendi a amar como já amava Goiânia
(o que amamos quando amamos uma cidade?) às 20:30, para pegar o voo de Goiânia a
Guarulhos às 21:58. Iniciei a viagem com a ideia de desenvolver um conhecimento
sensível de Nova York, e então pensei em exercer a sensibilidade simplista desde
o começo. Mas ainda em Goiânia tive de amargar um taxista insensível, que não
gostou de eu lhe perguntar se havia mudado o trajeto depois da reforma do
aeroporto.
Pensando
no jogo do São Paulo com o Atlético Nacional da Colômbia, no Estádio do Morumbi,
na Pauliceia, pelas semifinais da Libertadores, embarquei com a família às 22h
(com dois minutos de atraso), apostando numa vitória de 2 a 0 do tricolor. O
voo, num Airbus A320, foi tranquilo. O lanche foi enroladinho de queijo com as
opções de copo de guaraná, coca-cola, suco
de manga ou pêssego, em doses liliputianas. Escolhi guaraná.
A
turbulência me sacudiu quando desci do avião. Às 23:25, chegamos a Guarulhos. Liguei
o celular, e lá estava a derrocada. O Nacional havia metido 2 a 0 no São Paulo.
Desisti ali da Libertas (quae, mano, será?). Também, numa puta aventura rumo a
Nova York!
Leia na sequência: Cool Heart – diário de viagem a Nova York (2)
...
2 comentários:
Mr. Giba, que texto legal! Bacana a parte em que fala sobre Batman, como atribuiu mais significado para a região da cidade, expandiu o imaginário. Boa viagem! Deixe belas pegadas aí, meu amigo. Estou de olho em seu blog!
Valeu meu amigo Copeti! Abraço!
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