O
dono um dia teve de viajar. O cachorro se viu obrigado a vigiar a família que
ficou. Todos os dias passeava pela orla do mar, na expectativa de ver um certo
barco se aproximando e seu senhor afagando-o entre as mãos novamente,
fazendo-lhe confidências de terras distantes, trazendo-lhe coelhos de presente,
aquele cheiro caseiro, aquele perfume de azeitona e azambuja, aquele senhor que
corria as mãos pela sua cabeça e o chamava para correr na praia, para visitar o
pai, para brincar com o filho ainda pequeno.
Aquele
homem inteligente, rápido e forte, de tudo capaz, não chegava nunca. Os anos se
passavam e ele nunca despontava no horizonte. Até que um dia, enquanto a família
reunia-se na varanda (o cachorro de olhos pálidos e cansados deitado debaixo de
uma mesa), chegou um velho de cara carcomida, segurando-se num bastão trêmulo,
pedindo água e alimento.
Ninguém
o reconheceu. O cachorro não pôde ver seu rosto irreconhecível. A voz de velho
não tinha o mesmo timbre ressoante de outrora. Mas o cachorro pôde sentir o cheiro,
aquele odor de tanto tempo esmaecido em sua alma de cão, guardado na memória
canina ainda intacta, o passado ainda pulsando forte em suas lembranças.
O
cachorro que latia alto, que corria leve, que saltava cercas, o cachorro guardião
da família envolvida pelo tempo, agora estava entortado pelo mesmo tempo e pereceu
de alegria. O rabo ainda balançou sutil e, depois do frágil grunhido de
contentamento, foi o último a parar de se mover.
...
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