Em
A Importância do Ato de Ler, Paulo Freire deixa uma premissa fundamental
na formação de leitores, segundo a qual, linguagem e realidade se prendem
dinamicamente. Isso significa basicamente que aprender a ler a palavra é mais
fácil quando se utiliza o mundo que o aprendiz já sabe ler (ou está aprendendo
a ler, se for criança), ou seja, o mundo a seu redor.
Essa
premissa serve para quase todo tipo de leitura, menos para ler de modo pleno a
declaração de políticos quando falam de si mesmos à imprensa ou diretamente ao
público. As duas coisas se desprendem de tal maneira que fica impossível conjugá-las,
fazê-las caminharem lado a lado. Linguagem e realidade se desgrudam como
elementos heterogêneos em decantação.
Trata-se
de uma constatação que no fim das contas não é novidade alguma. O político sabe
que falar de si para jornalistas no particular (off) ou com gravadores e
câmeras ligados (on) não é o mesmo que falar de si a amigos e confidentes, na
cozinha de casa, em um jantar entre amigos, numa conversa entre um “passe o sal”
e uma garfada no prato principal.
Por
isso mesmo, nas conversas com jornalistas, deve sempre usar a técnica de ser um
outro, um ser estranho com a habilidade de fazer parecer real aquilo que
declara de si mesmo, quando na verdade é pura ficção.
O
último que tentou falar de si com integridade para a imprensa foi Fernando
Henrique Cardoso, em 1985, e se deu mal. Na ocasião mantinha uma larga vantagem
nas pesquisas na disputa pela Prefeitura de São Paulo, mas bastou dizer que era
ateu (falou a verdade de si mesmo) e já era, perdeu a eleição aos 45 do segundo
tempo. O resultado foi tão catastrófico que FHC mais tarde negaria até o que
escrevera.
Se
um político do Executivo está com medo de determinada pressão, diz algo do
tipo: “Encaro isso com a coragem que Deus me deu.” Os mais ousados
ficcionalizam inclusive quando falam da realidade da cidade, do Estado que
administram ou da sociedade que representam. “Meu pensamento e minhas atitudes
são democráticas”, dizem, quando na verdade trabalham o ano inteiro atendendo a
interesses contrários aos dos cidadãos e até mesmo contrários à democracia.
Há
sempre as exceções. Por isso, ao falar com um político pela primeira vez,
talvez deva-se sempre perguntar em voz silenciosa: suas respostas para essas
perguntas são reais ou fictícias? Quem está respondendo, é o político ou o
cidadão? Como saber? Suas respostas os colocam na cozinha, em sua sala de
jantar, ou numa tribuna? Que elementos podem nos guiar para a verdade de suas
palavras? Que parte delas é a luz que iluminará o rastro de suas falas até
chegar onde estão agora?
Entendê-los
pelas palavras, como se fossem fios escassos que os tecem por inteiro, é
impossível. É preciso fazer cada resposta relampejar sobre o homem, olhar com
certa ternura para esses seres fora do habitat, fora do mundo político. Será
que cada palavra é política? Será que cada verbo forjado na resposta é fruto da
verdade líquida que rega esse jardim de traquejos? Onde está o homem aqui?
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