Ainda estamos no mês da consciência negra. É uma agenda importante
para todos (ao menos deveria ser). Para nós negros, é o tempo de
refletir com mais força e clareza sobre o que pode ser essa marca
subjetiva, criada para aprendermos a olhar dentro de nós mesmos e da
sociedade que nos constrói como cidadãos ou nos nega essa
construção.
Para utilizar um chavão filosófico, a consciência é a relação
da alma consigo mesma. Mas também pode ser a relação das
consciências individuais no interior da sociedade, a relação que
fará a diferença no exercício da cidadania. Em todo caso, para
alcançar a consciência negra, parece-me, é preciso colher um
conjunto de fatores históricos, sociológicos, geográficos,
jurídicos, psicológicos, afetivos, e analisá-los à luz da moral e
da política.
Não há nada na condição humana do negro, no Brasil e nas terras
da diáspora africana, que não passe pela questão dos valores
(geralmente o status quo branco servindo de árbitro sobre o que
presta ou não presta) e do poder (“quem manda sou eu, que sou
branco e dono de tudo, e não aceito você”, ou “mando porque
recebi o aval dos valores de quem sempre mandou”).
Consciência negra é o mergulho nessa reflexão para entender uma
possível identidade, não a que exclui, mas a que quer ser incluída.
É buscar a compreensão de por que estamos aqui e por que devemos
continuar aqui, junto com todos os outros, brancos, indígenas e
orientais. Mas sobretudo entender o fio que somos e o modo como
ajudamos a construir o tecido social. E ir além. Pensar na relação
entre capitalismo e racismo seria um avanço.
Consciência negra é perguntar e encontrar repostas sobre questões
que nascem na África, passam pelo Atlântico em navios carregados,
crescem e se multiplicam em solo brasileiro. É entender também que
nem todo branco é racista, e que o negro que sofre racismo é vítima
do racismo, mas isto não faz dele uma boa pessoa, embora possa
fazê-lo ser mau.
É compreender o cinismo, o combustível do racismo à brasileira,
usado para desconstruir – ou impedir que nasça – nossa real
subjetividade e nos excluir. É entender como funciona o Estado e
como estão armadas as instituições, e as pessoas dentro delas, no
tratamento a nós dispensado.
Se sequestraram nossa voz, nossa capacidade analítica sobre nossa
própria história, é hora de descobrirmos Cuti, Kabengele Munanga,
Joel Rufino, Abdias Nascimento, Osvaldo Camargo, Carlos Moore, Neusa
Santos Souza, pensadores de nossa condição que também são negros,
e dialogarmos com estudiosos como Edward Telles, Gregory Rabassa,
Roger Bastide, e tantos outros. Jamais achar que Shakespeare não nos
interessa. A memória, as linguagens, o diálogo com quem quer
dialogar, a cultura humana, as ideias includentes (na diferença),
tudo interessa à consciência negra.
(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular,
22/11/2014)
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