A inteligência e
o cultivo do saber do povo judeu são fascinantes. Seus livros sagrados – seu
acervo de palavras profundas que nos lançam a um caminho de luz ou nos ameaçam
às trevas (se não seguirmos as normas que equilibram o espírito) – são colunas
gigantes de ensinamento. O Zohar, por exemplo, o livro do esplendor, diz
coisas maravilhosas sobre nossa condição humana.
O Zohar é considerado a espinha dorsal da
Cabala, e durante muitos séculos foi transmitido apenas entre os judeus como a
“parte mais mística da Torá Oral”. Nos trechos traduzidos para o português pela
editora Polar, o mestre Shimon ben Yochai revela a beleza e os mistérios desse
universo.
A metáfora dos
dias como unidades constituintes do ser do homem, todos contados já no
nascimento – cada dia consciente de sua posição, para levar o homem até seu
leito de morte – é um grande ensinamento sobre a presença e a materialidade da
alma, daquilo que não se vê, do ar, da existência para além da aparência.
Segundo o Zohar,
os dias “descem à terra, um depois do outro, e cada um exorta o homem a não
pecar em seu dia. Quando um dia vê que o homem não o escutará, mas está
determinado a pecar, ele se enche de vergonha. Então retorna para as regiões
superiores e dá o testemunho dos atos do homem.” Mas ele, o dia manchado pela
falha humana, é apartado dos outros dias para sempre.
A imagem de
dias subindo de vergonha e deixando a biografia do homem com falhas de caráter
é exemplar para explicar o combate a tudo quanto é violência. Ainda assim, há
uma divisão entre os homens (esses seres de alma), em que uns procuram a
serenidade e outros vão de cabeça contra a vida. E a clivagem ocorre mesmo
entre os conhecedores desse mar de palavras reguladoras do espírito.
Até mesmo entre
os judeus, fundadores dessa esperança, há quem goste de matar. E não é de hoje.
Esse rastro de destruição e morte vem sendo registrado desde o gênesis. E o
vemos se repetir agora. Penso em gente como Netanyahu, premiê de Israel, e
primos. Será que na fila de seus dias, ainda há algum que não tenha subido de
vergonha?
Na história da
humanidade há sempre o rancor. Em alguns de nós, ele se cala, seca e vira seda
ou algo parecido, porque todos os dias se sentem jubilosos em nos acompanhar. Mas
em outros, no filamento duplicado da alma, o que prevalece é esse barro ínfimo
de liga ruim que nos erige. É por causa deles que tantos dias sobem envergonhados
e tristes. Pecar não é um ato apenas de quem tem fé, é machucar o outro. Neste
sentido, todos nós temos dias de cão.
No Zohar,
a palavra é apresentada como véu, por trás do qual há mil mistérios, tendo-se
que atravessá-los para se aproximar de alguma coisa parecida com Deus. Para mim
o que importa é a beleza crítica dessa busca. Não é Deus que está em jogo, mas
nós mesmos.
(Gilberto G.
Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 29/11/2014)
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