Na Ilustrada (Folha de S. Paulo) desta segunda-feira, o professor de filosofia Luiz Felipe Pondé escreveu mais uma de suas provocações. Ele é bom nisso, é inteligente, mas menos do que gostaria de ser ou pensa que é. Não que eu seja melhor que ele, longe disso, mas, mesmo não sabendo dirigir, sei quando um motorista entra na contramão ou faz ultrapassagem ilegal.
No caso de Pondé, o que ele faz de irreverente, ou contrário à lógica das coisas, o faz mais para chocar e persuadir. Mas de vez em quando é possível que se enrole tanto em seu ego sinuoso que acaba falando bobagem por absoluta convicção.
Ao falar de Nelson Rodrigues (engrossando a fileira das homenagens ao dramaturgo, em que todo mundo cita as mesmas frases, as mesmas situações, ‘nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais’, ‘toda unanimidade é burra’), ele atrela a ideia de que “a mulher que nunca encenou "sua" prostituta no sexo nunca fez sexo”.
Afirmações desse naipe nos levam a crer que, ou Pondé tem um desejo fortíssimo de ser mulher a ponto de sentir os mesmos desejos e sentimentos, os mesmos espirais de alma e consciência, ou Pondé é de fato uma mulher encalacrada num corpo de homem, o que dá no mesmo. Não digo isso de sacanagem ou porque estou revoltado com ele, não. É só uma tentativa de entender como um homem pode ter tanta convicção sobre a alma feminina.
Os escritores, os grandes, conseguem pescar diversos ângulos desse universo misterioso, e dos que leio, nenhum deles chega a conclusões tão rápidas e claras. Tudo fica nebuloso, entre a delícia e o espanto.
Mas, voltando a Pondé. Nesta segunda-feira, ao homenagear Nelson Rodrigues, ele descamba a falar do amor. E diz, citando "o anjo pornográfico": “‘Dinheiro compra até amor verdadeiro.’ Imaginemos duas situações hipotéticas.”
“Hipótese 1: alguém convida você para um longo fim de semana na costa amalfitana na Itália. Executiva, hotel charmoso, longas caminhadas por ruas quietas e antigas, sem pressa, vinho (não "bom vinho" porque isso é papo de pobre querendo parecer rico, do tipo que os jovens chamam de "wannabe", gente que queria ser chique, mas não é).
“Hipótese 2: alguém te convida para um fim de semana longo na Praia Grande, você pega oito horas de Imigrantes, trânsito infernal, o carro ferve, você fica na estrada esperando o socorro da Ecovias. Chega lá, apartamento apertado, cheiro de churrasco na laje por toda parte. Crianças dos outros gritando em seu ouvido.
“Onde você acha que o amor verdadeiro nascerá? Se responder "hipótese 2", é mentiroso ou não sabe nada acerca dos seres humanos, vive num aquário vendo televisão e se olhando no espelho.”
Pondé tem mínimas chances de estar correto. O amor nasce e morre em qualquer lugar. E não nasce absolutamente apenas entre duas escolhas, em que numa o dinheiro borbulha e noutra a balbúrdia e a sequidão imperam. Se fosse assim, seria impossível o amor nos lugares mais terríveis, entre bichos e vida precária. Mas nasce. Acredite, leitor, nasce e morre do mesmo jeito em mil e uma possibilidades.
Apaixonar-se num passeio na costa amalfitana na Itália pode ser amor, sim, mas também pode ser fruto do fascínio, que não durará muitos sóis. Acho que Pondé está querendo ser, talvez se ache, um espírito iluminado nos moldes de Mencken, Luciano de Samósata, Nietzsche. Mas não é. Mistura com muita facilidade verdades comuns com tiradas inteligentes e estultícias megalomaníacas.
Essas peripécias do desejo da mulher injetadas na opinião pública como a grande verdade, a mim me parece ser apenas mais um rio nos intermináveis planaltos e planícies que é a topografia da alma feminina.