Antes
minha leitura.
A cena mais emblemática de Kill Bill 1:
Mamba
Negra (Umma Thurmann) começa a lutar com Boca de Algodão (Lucy Liu). Esta
duvida de que a espada que a heroína usa é do famoso japonês Hattori Hanzo. As
duas lutam e trocam sopapos, socos e pontapés, até que Mamba Negra acerta-lhe
um golpe magistral, e Boca de Algodão reconhece: “Peço desculpas por ter zombado
de você e por ter duvidado de que sua espada era uma legítima Hattori Hanzo.”
Elas
continuam lutando até que chega o golpe fatal, em que Mamba Negra arranca-lhe o
escalpo. Este cai para um lado enquanto Boca de Algodão cai para o outro, sob
um fundo musical tarantinesco.
A cena mais engraçada de Kill Bill II:
(Mamba
Negra fala várias línguas muito bem, incluindo chinês e japonês. Ao procurar Hattori
Hanzo, pedindo que este lhe faça uma espada especial para matar Bill, ela fala
japonês com Hanzo, que a elogia pela pronúncia perfeita.)
Mas
quando Mamba Negra procura o famoso mestre de Kung Fu, Pai Mei, rabugento e
caricato, para aprender sua lendária técnica de Kung Fu, Cinco Pontos Para
Explodir o Coração (eis a cena), ela o saúda em chinês.
Só
dá tempo de falar uma única palavra: “Sifu” (mestre). A resposta do velho sábio,
que nasceu no ano de 1003 (tem, portanto, mil anos), foi rápida e ferina: “Seu mandarim é péssimo.
Causa desconforto aos meus ouvidos. Você geme como uma mula.” Isso é que é
sensibilidade para analisar a habilidade linguística de alguém!
O melhor
Descobri
que gosto muito de Kill Bill. Nos filmes anteriores, incluindo Pulp Fiction,
Quentin Tarantino foi um enfant terrible do cinema. Seus filmes posteriores,
incluindo Django Livre, apenas conferem a Kill Bill a identidade de um mestre,
de um gênio.
Dentro
da proposta de homenagear o culto à morte e à arte pop, incluindo elementos do Oriente
e do Ocidente – como a homenagem a Bruce Lee (Cinco Pontos Para Explodir o
Coração, por exemplo, é o Soco de Uma Polegada), às lendas de Shaolin, ao Velho
Oeste americano, e ainda a sinossimpatia (tempo de habilidade e perfeição), a
linguagem de HQs, as várias luzes, a trilha sonora, as mínimas inserções de
falsos ícones (que por outro lado são legítimas homenagens a alguma coisa, a si
mesmo, a conhecidos), as inesquecíveis participações de David Carradine (Bill)
e Daryl Hannah (Cobra Californiana) –, vai demorar para alguém fazer melhor e
superar Tarantino.
Polifonia
Sem
contar a polifonia do título - Kill Bill: Matar Bill, mate Bill, lista para
matar. Bill é variação de Will. Will, além de corruptela de William, significa vontade,
logo, kill bill é vontade de matar. Mas will também é testamento, e testamento
é uma inscrição sobre a vontade de alguém (sua deliberação) de deixar sua marca
sobre a terra, sua herança. Logo, kill bill pode ser uma espécie de testamento
da morte.
Esses
significados circulam muito naturalmente (às vezes sem virem à tona) na cabeça
de um nativo de língua inglesa alfabetizado. Esta dialogia, ou pelo menos parte
dela, certamente estava presente na intenção de Tarantino. Bravo!
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