Recentemente saiu no Brasil um ensaio biográfico de Edmund White sobre o poeta francês Arthur Rimbaud (1854 – 1891), intitulado Rimbaud – a vida dupla de um rebelde (Companhia das Letras, 2010, tradução de Marcos Bagno). Mas a dica só fica completa se o leitor voltar um pouco no tempo e se lembrar de outro ensaio escrito pelo norte-americano Henry Miller (1891 – 1980), aquele mesmo de Nexus, Plexus e outros romances para lá de polêmicos pela linguagem de cunho escandaloso, dizem alguns.
O livro em questão é A Hora dos Assassinos: um estudo sobre Rimbaud, escrito em 1956, publicado no Brasil pela L&PM (tradução de Milton Persson, 2004). Nesse livreto de 136 páginas, Miller abre uma pequena ferida nos brios da modernidade que se conhece hoje e que na década de 1950 dava seus primeiros toques de surtos coletivos, principalmente com a Guerra Fria e a então recente explosão da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki.
Os tempos pareciam e ainda parecem (até o fim?) ser mesmo dos assassinos. A era dos poetas, da mente criativa, já tinha ido para os ares. É disso que trata o livro, enfatizando a identidade total de Miller com Rimbaud. A única parte chata é o fato de o autor se jogar a toda hora diante da luz do enfant terrible francês para sugerir que ele, Miller, era tão gênio quanto, por isso mesmo um incompreendido tal como o fora Rimbaud na sua vida conturbada.
Não que não fosse. Miller foi mesmo um autor genial, nascido no ano em que morria Rimbaud, com prosa capaz de arrebatar leitores de tudo quanto é nível e influenciar gerações. E talvez sua obra nem esteja tão ligada assim a Rimbaud, em termos de influência, a julgar pelo que diz em A sabedoria do coração (L&PM, 1986, tradução de Lya Wyler):
“Examino com assiduidade o estilo e a técnica daqueles que uma vez admirei e cultuei (...). Imitei todos os estilos na esperança de descobrir a chave do segredo torturante da arte de escrever (...). Eu fracassei. Percebi que não era nada. (...). Foi nesse ponto, em meio à estagnação do mar dos Sargaços, por assim dizer, que realmente comecei a escrever. Comecei do nada, lançando tudo ao mar, mesmo aqueles a quem mais amava.”
Transgressão
Voltando ao magnífico A Hora dos Assassinos, o protesto de Miller, em meio à homenagem a Rimbaud, numa salada de autoapreciação, é o fato de os poetas não terem mais a voz ouvida por ninguém. Nem mesmo o mestre da modernidade teve a audiência merecida em vida. Quando Miller escreveu este ensaio, Rimbaud já tinha influenciado a poesia toda, mas ainda era apenas tacitamente que dominava o reino das palavras.
Segundo Miller, as críticas eram pontuadas pelo excesso que havia na vida e na obra do grande poeta, que na fúria criativa entre os 16 e 19 anos havia dado novo rumo à poesia. “Como boêmio, é boêmio demais; como poeta, é poético demais; como pioneiro, é pioneiro demais; como contrabandista de munições, é esperto demais, e assim por diante, etc. e tal. Tudo o que fez, fez bem demais – parece ser essa a reclamação contra ele.”
Rimbaud era assim mesmo. E também o era Miller. O que vale na leitura de A Hora dos Assassinos é isso, o grito de que a missão da poesia é despertar. Neste caso, a poesia ainda vale a pena. “Ser poeta era antigamente a vocação mais sublime; hoje é a mais fútil”, reclama Miller.
Ler White, que mostra Rimbaud como um grosseirão insolente, apesar de gênio, e Miller, que sugere que a literatura ainda vale a pena porque transgride justamente para atingir a humanidade comum, é o melhor dos mundos. (Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente na Tribuna do Planalto)
4 comentários:
O teu blog o o Literatura sem fronteiras do Nilto Maciel são fontes maravilhosas,lugares em que podemos considerar que resta alguma esperança nessa "causa perdida" que é a vida, como nos diz o Antônio Abujamra. Beleza! Abraços!
Valeu! Gosto das provocações do Abujamra, e adoraria ler poesia (recitar) como ele faz. É ímpar, né. Abração!
Aliás, em relação a como lê o Abujamra, adoraria aprender sua técnica de encenação da leitura, de qualqeur texto, é incrível, um mestre.
É verdade. o Abu não apenas recita, o que seria só impostar a voz num tom diferente e conseguir um ritmo, mas interpreta, cosntrói um personagem que está dizendo aquilo mesmo, de verdade. Isso na televisão é um luxo! Abraços.
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