quarta-feira, 3 de outubro de 2007

UMA PEDRA NO MEIO DO COW MINHO















Sentada ao lado do poeta Drummond uma vaca lê. De costas para o mar de Copacabana, de olhos afundados na leitura, uma vaca, de patas cruzadas e rabo muito bem agasalhado, lê com toda a atenção, com uma concentração jamais vista entre os leitores humanos. Ali, parada nas palavras secretas do livro, na articulação da voz do autor com sua própria voz, a vaca se desliga do mundo e se petrifica diante do encanto do livro, da magia empedernida da leitura, remoendo palavras, ruminando um destino qualquer.

O que diria Drummond sobre dividir seu banquinho com uma vaca, em tempos de cultura pop e pós-moderna, seja lá o que for tal conceito? O que será que ela lê? Um manual de técnicas veterinárias? “Como negar leite ao seu dono pela manhã”?, “Como vencer o brejo em cem passos”? Mas talvez esses assuntos não sejam tão encantadores assim. Será que lê uma antologia poética do velho Drummond? Boitempo I?, Boitempo II?

Uma vaca sentada ao lado de um de nossos maiores poetas é surreal. Vem de Lautreamont, vem de Aragon, de André Breton? Ou será apenas uma cena idílica pintada por Dali, num momento de profunda depressão? Será uma vaca de nariz sutil? Sim. Ela tem, portanto, bom faro para a leitura. Seu olhar perscruta a vida e a arte. É uma junção do belo com a simpleza das mentes atuais, da criatividade moderna, que não sabe para onde ir, mas sabe que tem de criar impacto, enquanto a vaca passa. Mas a vaca não passa. Ela está sentada no banco de Drummond, lendo o poema de sete faces. A vaca, meu Deus, está parada!

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