Eu também fico assustado
Eu também tenho medo do mundo
Às vezes
Tenho medo do espaço infinito
Às vezes
Tenho medo dos astros
Dos pastos
Da gravidade
Do vento
Do ar
Das areias
Das águas
Do tempo
Tenho medo das coisas invisíveis
E das coisas que só eu vejo e não posso descrevê-las
Porque eu seria louco
Tenho medo da loucura
Da carne e da solidão
Tenho medo quando a sombra da terra engole a lua e o sol
E quando o céu soturno produz cores no escuro
Cores que não sei distinguir das que matizam meus olhos
Como se viessem de dentro de mim
Como se fossem luzes galácticas que iluminariam o mundo
Tenho medo de ser o sol de alguém
E se eu apagar?
Olhe
Assustar-se por ter medo é normal
Também me assusto
Às vezes
O primeiro susto é quando a gente nasce
A alma dá um pulo dentro da gente e a gente passa a existir
A gente nasce como quem brota
Toda mãe é uma primavera
Todo pai é um tenebroso outono de chuvas ácidas
Imagine
Um broto saindo da terra na selva, entre pés e bichos
Existindo
Imagine
A selva que é viver
Para além do mato
Na fauna humana, inventora de mundos
Na fauna humana, inventora de choques
Na fauna humana, inventora de toques
E lembranças dentro de lembranças
Dentro de sonhos
E restos de sensações que triscam a alma
E ela pula
E sabemos
Lembramos
Da existência
Tememos, e trememos, e bebemos, e dizemos só a verdade
A verdade é a única coisa que existe de verdade
A verdade foi criada por nós que criamos a nós mesmos
Antes de criar o mundo sobre o mundo já criado
Criamos a nós mesmos
Antes de criar o mundo sobre o mundo já criado
Cheio de bichos e pés e asas e nadadeiras e raízes sugadoras de seiva
Criamos a nós mesmos
E viscosidade e lama
E chamas e pingos
Criamos a nós mesmos
De líquidos que nos dissolvem e nos evaporam
E desaparecemos
Sem o medo, porque o medo fica
E desaparecemos
Sem o medo
E o susto é o prenúncio de quem vai nascer (como grilos)
E desaparecemos
Sem o medo, com susto
E desaparecemos
Sem o medo, porque o medo fica
A preparação para o medo
Às vezes
Porque há também a força que nos impulsiona para o destemor
Porque há também a força que governa o medo
Às vezes
Enquanto flutuamos como flocos e féculas
Enquanto flutuamos como seres helicoidais
Seres que se entrepenetram e se eternizam
Enquanto flutuamos como seres sempre com medo e assustados
Como se um sopro no ouvido
Como se um sussurro
Um urro baixinho, infrassônico
Como se a existência toda pelos espaços vazios
Entre os astros
Dissessem
Num susto
Eu também sou
Somos
Cromo
E quando me assusto, eu mudo de cor
Mudo, mudo
Mudo de cor
(Gilberto G. Pereira)
.,.