Pobre Liza é um conto russo de Nikolai Karamzin (1766-1826) publicado em 1792. A história se passa nos arredores de Moscou, na zona rural, perto das torres góticas e sombrias do mosteiro de Simonov, instalada sobre uma colina de cujo cume dava pra ver toda Moscou. Isso no século 18, porque hoje a capital russa tem quase 12 milhões de habitantes e já tomou tudo aquilo. Mas o mosteiro, erguido em 1370 (pesquisei), continua de pé.
Próximo do mosteiro, passa o Rio Moscou. Próximo do rio, num pequeno bosque, havia uma cabana onde 30 anos antes (1762) morava uma moça chamada Liza, “a bela e doce Liza”, com sua velha mãe, que ao ficar viúva (quando Liza tinha 15 anos) empobreceu.
Por causa dessa orfandade e uma mãe sem forças, Liza começou a trabalhar. Ia a Moscou vender coisas do campo. Sua mãe era grata por isso, e dizia que Liza era “graça divina, arrimo de família, deleite de sua velhice, e pedia a Deus que a recompensasse por tudo o que fazia pela mãe."
Um dia, dois anos depois da morte do pai, vendendo lírios em Moscou, Liza conheceu um sujeito chamado Erast, muito simpático e generoso com mãe e filha. Os dois se apaixonaram. Como ele era nobre, e ela, camponesa, o amor permaneceu clandestino. Até que surgiu um boato de que os camponeses haviam arranjado um noivo pra Liza. Eis a a encruzilhada do destino.
Por causa disso, Liza decidiu se entregar ao doce Erast. Fizeram muito sexo por muito tempo, até que Erast disse que tinha de partir para a guerra porque morrer pela pátria era nobre. Amava-a, mas tinha de cumprir seu dever de cidadão e coisa e tal. Foi para a guerra. Liza não se casou, não tinha noivo nenhum, e sofreu pelo amor de Erast.
Dois meses depois, Liza indo a Moscou vender suas coisas, ela se depara com Erast, vivo e são, sem o menor sinal de que estivera em algum front. Ele diz a ela pra esquecê-lo porque agora estava casado.
Não. Ele foi pra guerra, sim, hypocrite lecteur. Mas, lá, não lutou contra ninguém, nem contra seu vício em jogo. Jogou apostado até perder toda a fortuna, e teve de se casar com uma viúva rica. Alas me, oh my God!
Mas não teve tempo de explicar nada à jovem amante. Liza se jogou nas águas do Rio Moscou e morreu afogada. Agora, me diga, com um título desses, numa história contada em 1792, ou era isso ou a solução romântica dos franceses. Mas os russos são os russos. Liza fora enterrada no cemitério do mosteiro, que o narrador contempla ao contar essa história.
Esteticamente, o conto narra uma história da miséria humana, contrapondo a beleza da natureza e sua paisagem exterior irretocável ao roto tecido da pobreza envolvendo a paisagem interior de Liza.
O que fica como memória do conto, como elemento nutritivo é a imagem do infortúnio de Liza, que parece ter sido o mote para um personagem de Dostoievski em Crime e castigo, de 1866. Em Gente pobre, de 1846, Dostoievski já havia colocado um dos personagens das trocas de cartas para citar esse conto.
Em português, o conto está presente no livro homônimo de Nikolai Karamzin (tradução de Natalia Marcelli de Carvalho e Fatima Bianchi) e na coletânea Nova antologia do conto russo (vários tradutores; sendo Pobre Liza a mesma tradução da publicação citada acima; Org. de Bruno Barretto Gomide), ambos publicados pela Editora 34.
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