terça-feira, 20 de maio de 2014

A casa do outro: o exílio como distância e procura


A definição de exílio exige uma longa caminhada, percorre extensos trechos de terra em conceitos e significados. Não nos interessa aqui, no entanto, explorar todo esse universo, apenas fixar grosso modo a ideia de desterro e afastamento, cujo resultado, pelo menos a priori, é a insuportável dor de estar longe de casa ou o doce incômodo de se ver forçado a deixar o lar. Exílio é, portanto, degredo, é o estar longe do lugar onde se nasceu, longe da família, dos amigos, e em muitos casos, distante inclusive da própria língua.

Desde as narrativas mitológicas, passando pela Bíblia, até chegar à literatura, antiga, moderna e pós-moderna, o exílio é um grande tema. Adão e Eva foram exilados do Paraíso como castigo. Ulisses passou duas décadas distante de sua Ítaca e de seus amores, por ter ido lutar na guerra de Troia, esta terra que aliás flerta com a ideia de exílio, uma vez que ex em latim é uma preposição ablativa “de”, que designa, primeiramente, “circunstância de lugar, com a ideia de movimento de dentro para fora, do interior de” e também “do lado de”, (DICIONÁRIO DE LATIM-PORTUGUÊS, p. 243) e Ilium quer dizer Ílio ou Troia.

Viver exilado é morar na casa do outro, seja por estar em uma outra cidade, em um outro país ou até mesmo falando outra língua, mesmo que seja no mesmo território em que se nasceu, mas em um lugar onde se está proibido de falar a língua materna, por motivos políticos ou religiosos, como os judeus na Alemanha, na Rússia, na Espanha, em vários momentos da História.

O grande arcabouço da figura do exílio pode ser lido em Os males da ausência, ou A literatura e o exílio, de Maria José de Queiroz (1998). Ela joga luz sobre o tema do ponto de vista da escrita e do escritor, mostra dezenas de exemplos de homens que foram exilados, uns por imposição, e outros por vontade própria, o autoexílio.

A ideia de exílio torna-se complexa porque as razões para se estar permanentemente, ou por longo tempo, longe de casa, são muitas. Partindo dos exemplos de Queiroz, no primeiro caso, as razões geralmente são políticas, em um embate do cidadão com o poder vigente. Já no segundo caso, há uma série de fatores que podem levar uma pessoa a se exilar, desde questões políticas, de desacordo com o poder, até razões de ordem socioeconômica, quando a pessoa sai de casa para ganhar a vida em outro lugar, ou mesmo impulsionada por um sonho de explorar, criar, fundar uma nova identidade, a partir de uma crise individual ou de família. Sair para encontrar-se com seu eu verdadeiro. Mas quando se chega lá, vê-se que seu lugar era onde estava.

“Todos os exílios configuram uma ideologia – religiosa, mítica, política, econômica ou social. E no caso de tribos, povos e comunidades inteiras, o exílio – voluntário ou compulsório –, se resolve num ato fundador. À tristeza e ao sofrimento sucedem a determinação, a coragem, a fortaleza de ânimo. Ao desespero da perda de quanto se deixa para trás se sobrepõe a esperança do recomeço” (QUEIROZ, 1998, p. 29-30).

A vontade ou a necessidade de partir cobra um preço quase sempre alto ao exilado. Ele parte, chega a algum lugar, instala-se ali, e pode ser até que se torne bem sucedido na empreitada, do ponto de vista financeiro, social, mas dentro da alma ainda há alguma coisa que o inquieta. Os males da ausência são muitos, e o maior deles é a reconfiguração ao que o sujeito se submete. É justamente esta sombra subjetiva que permanece, de lembranças, de imagens de um tempo pregresso. No exílio, ele modifica-se, mas nasce nele uma espécie de saudade que o impele para a volta.

“A longa permanência fora de casa tanto desfigura o rosto e o corpo como altera a marcha, corrompe o sotaque, modifica os costumes, tornando estrangeiro, e até irreconhecível, o infeliz retornado. Não foi o que aconteceu a Ulisses?” (QUEIROZ,1998, p. 42)

Mas, e se quando voltar, seu lugar de origem já não for o mesmo? E nunca é. O que fazer? Sentir-se estrangeiro para sempre? O exilado é modificado pelo tempo, pelos novos hábitos, e sua terra também, com novas pessoas, com costumes alterados. Na maioria dos casos dos que se aventuram pelo exílio, eles partem prometendo regresso, quer para si mesmos, quer para alguém, os pais, os amigos, uma namorada ou um namorado, “querem regressar vencedores e merecer, em casa, o reconhecimento daqueles por quem arriscaram a vida” (QUEIROZ, 1998, p. 43). Isso nem sempre acontece. Tudo muda ao longo do percurso e nos espaços de referência, tanto do exílio quanto da própria casa.

Os exilados podem sair de sua casa em busca de uma vida melhor. Isso é comum no mundo inteiro. No Brasil também. O processo de migração no país, principalmente do Nordeste para o Sudeste e o Sul, ou do Sul para o Centro-Oeste e o Nordeste, também configura, em muitos casos, um grau de exílio. Quando o motivo não é político, a busca por riquezas, por melhoria de vida, é um dos fatores que caracterizam o exilado. Na distância de casa, os sentimentos mais comuns, além da solidão, que é o mal que “mais o acabrunha” (QUEIROZ, 1998, p. 57), são a carência e a sensação de fracasso.

Muitas personagens da literatura brasileira se encaixam nesse perfil, e a tensão que se cria na sua jornada dentro da narrativa é justamente em função do conflito que surge entre reconhecer o exílio e querer domesticá-lo, fazer dele sua nova casa. Voltar sem ter conseguido isso seria um fracasso. Permanecer na luta, sem a vitória, é abrir caminho para a carência de todo tipo, financeira, afetiva e social.

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