Ler
não é o bastante. Mas a leitura é oxigenadora de um tipo de vida
dominante, a que nos trouxe para a modernidade, para o rico universo
simbólico e tecnológico em que vivemos agora. E a literatura tem
certa responsabilidade nisso, seja impulsionando os melhores
cérebros, ou possibilitando a diversidade de mundos, forçando-nos a
compreender nossa própria complexidade.
Nesse
sentido, a literatura que expõe a vida como “o choque impiedoso do
eu contra o mundo”, segundo Giulio Carlo Argan, e que nos dá certa
dimensão da existência e até joga luz sobre nossa identidade, é
de suma importância. Um dos escritores brasileiros mais
significativos das últimas décadas, justamente por escrever
romances tão reveladores de nossa alma e do choque transformador que
se dá entre o Brasil rural e as grandes cidades, é Luiz Ruffato.
Mineiro
de Guataguases, interior do Estado, Ruffato é filho de um pipoqueiro
semianafalbeto e de uma lavadeira analfabeta. O contato com os
livros, as leituras fortuitas e depois as sistematizadas fizeram dele
jornalista e escritor. E veio para modificar a estética literária.
Seus romances trazem um discurso diferente do que se costuma ver até
mesmo no chamado ciclo regionalista.
Seus
livros, quase todos, mas principalmente a pentalogia Inferno
Provisório (Mamma, Son Tanto Felice, O mundo Inimigo,
Vista Parcial da Noite, O Livro das Impossibilidades e
Domingos Sem Deus), falam de homens que saem do campo e das
pequenas cidades rumo às metrópoles, mas não em um enfoque
centralizador, elitista. Pelo contrário. Parte da periferia para o
centro, com inúmeras vozes de homens e mulheres buscando um lugar ao
céu. Na maioria das vezes, essas pessoas só encontram as duras
penas do inferno, entre oásis de contentamento.
Ruffato,
no entanto, é consciente de sua arte, e sabe dar vida a seu comboio
de almas. Não se trata de um feixe de miséria e de pobreza exposto
à luz da literatura. Trata-se de uma riqueza humana, de sujeitos que
se constroem à revelia do Estado que os ignora, e que seguem suas
vidas, completando o bojo da nossa sociedade. Somos muitos como os
retratados pelo romancista mineiro.
Quem
lê seus livros é capaz de perceber que ali, bem antes do
entendimento da palavra, vem o sentimento, a emoção fisgada do
vivido. Ruffato retrata o drama social, as diferenças e o impacto da
metrópole sobre a alma interiorana de forma pungente. Ele nos dá
uma outra dimensão da vida.
Em
discurso proferido na Feira do Livro de Frankfurt, em outubro de
2013, ele diz que “a literatura tem o papel de fazer uma reflexão
da sociedade.” É nisso que ele acredita, e é por esse viés que
sua obra nos toca. Não deve ser este o único papel da literatura,
mas sem dúvida é um dos mais importantes. A linguagem escrita nos
tornou complexos, e a literatura pode ao mesmo tempo nos aprofundar
nesse veio humano e também nos revelar essa complexidade.
(Gilberto
G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 23/01/2014)