sábado, 24 de dezembro de 2022

A noite de Elie Wiesel

 

As tropas americanas, da 80ª Divisão de Infantaria, entraram no Campo de Buchenwald, em 16 de abril de 1945, para resgatar os prisioneiros, e os fotografaram. Elie Wiesel está na segunda fileira, de baixo pra cima, o sétimo a partir da esquerda. Fonte: Digital Public Library of America


O contexto era o do nazismo, da perseguição aos judeus, da violência brutal, dos assassinatos misturados em ódio e diversão. O que um menino podia fazer? Como você reagiria?

 

O trecho abaixo é parte da introdução de Night (1958), livro de memórias de Elie Wiesel (1928-2016), Prêmio Nobel da Paz de 1986, sobrevivente dos campos de concentração nazistas. (A tradução do trecho é minha).

 

 

“Lembro-me daquela noite, foi a mais hedionda de minha vida:

 

‘…Eliezer, venha aqui, quero te dizer uma coisa... Só você... Venha, não me deixe só... Eliezer…’ [dizia, em ídiche].

 

Ouvia sua voz, captava o sentido de suas palavras e a trágica dimensão do momento, mas fiquei quieto.

 

Era seu último pedido, desejando que eu estivesse do seu lado em sua agonia, no momento que sua alma era arrancada de seu corpo dilacerado – e ainda assim não atendi seu desejo.

 

Eu estava com medo.

 

Com medo das porradas.

 

Foi por isso que fiquei mudo para seus gritos.

 

Em vez de sacrificar minha vida miserável e correr para junto dele, segurando sua mão, confortando-o, mostrando que ele não fora abandonado, que eu estava com ele, que eu sentia sua dor, fiquei quieto e mudo, pedindo a Deus que fizesse meu pai parar de chamar meu nome, que o fizesse parar de gritar. De tanto medo que eu tinha de me submeter à ira da SS.

 

Meu pai, de fato, não estava mais consciente. Apesar disso, sua voz assustadoramente suplicante continuava rompendo o silêncio e clamando por mim, por ninguém mais além de mim. 

 

‘E então?’ O soldado da SS tinha irrompido em fúria, e acertava meu pai na cabeça: ‘Fique quieto, velho! Fique quieto!’

 

Meu pai não sentia mais o impacto das bastonadas. Eu sim. E apesar disso, eu não reagia. Deixei a SS espancar meu pai. Eu o deixei sozinho, nas garras da morte. Pior: eu estava zangado com ele por fazer barulho, por ter gritado, por provocar a ira da SS.

 

‘Eliezer! Eliezer! Venha, não me deixe só...’

 

Sua voz tinha me alcançado de tão longe e de tão perto. Mas não me mexi.

 

Nunca vou me perdoar por isso. 

 

E também jamais perdoarei o mundo por ter-me empurrado contra o muro, por ter feito de mim um estranho, por ter despertado em mim os instintos mais baixos, mais primitivos.

 

Sua última palavra foi meu nome. Uma súplica. E não fui capaz de atendê-lo.”


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