terça-feira, 5 de março de 2019

Cosmologia do verbo - a literatura e a arte de ler

                                                  Foto: Hubble Gallery

A presença do autor nunca se afasta de todo. Por mais que você queira entender o texto pelo texto apenas, o autor te ronda como fantasma e ri de você. Talvez por isso, a nova literatura, para afastar outro fantasma, o dos críticos, decidiu embaralhar mais a narrativa e despejar na tessitura do drama, nas fissuras da trama, o nome do próprio autor como nome do personagem, o ambiente do próprio autor como o ambiente do personagem, os fatos notórios do próprio autor como os fatos mestres do personagem. E aí o leitor incauto acha que é o autor o personagem, e que o personagem ressoa do autor os atributos verdadeiros de si mesmo (ambiguidade), como se houvesse uma verdade absoluta, como se a intimidade do autor tivesse sido exposta, como fraturas, quando na verdade é só literatura, porque tudo é literatura, inclusive a vida, e o resto é silêncio. Como poucos vivem a arte, muitos menos a literatura, poucos vivem a vida, e abraçam o silêncio. Enganam-se em achar que vivem, porque o silêncio, sendo resto, é réstia, e a luz que se escoa desse resto mergulha na vida e na arte, e se mistura, porque tudo é literatura, inclusive o resto, embora este seja silêncio. A literatura também é silêncio, sem ser resto, nem réstia, porque a literatura é como o sol, mais ainda, é como a galáxia, mais ainda, é como o universo inteiro, por isso os melhores poetas conseguem comprimir o universo numa bola de gude, e quando o leitor a lê é como se uma bomba atômica explodisse a cada palavra, e essa luz é que traduz a literatura, essa luz é a literatura em seu grau máximo, pura linguagem, e ela explode porque é a vida, e a vida explode sempre, e recomeça sempre, às vezes em silêncio, às vezes aos berros, mas a vida explode sempre, porque a vida pulsa literatura, pulsa arte, a vida é a arte de pulsar.

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