quinta-feira, 13 de maio de 2010

Medo Líquido – a fluidez do terrível


Na Idade Média, o grande medo nascia da escuridão da noite, num tempo ainda longe da eletricidade e dos feixes de clarão das lâmpadas, quando era impossível se enxergar um palmo à frente do nariz. Nos dias de hoje, o medo está no clarão que ofusca os olhos, que também não permite que se veja nada, só se deixa imaginar excessivamente a ameaça da morte, a ameaça da dor e de tudo, tudo mesmo, porque “tudo que dói é possível”, como disse Paulo Henriques Britto, num belo poema sobre a solidão.

Mas aqui o que interessa é lembrar este Medo líquido (Jorge Zahar, 2005, 240 páginas), livro de Zygmunt Bauman, sociólogo polonês que criou o conceito de liquidez sobre a produção humana, vida e coisas, na contemporaneidade. No fim das contas, o medo líquido, o amor líquido, a modernidade líquida, a vida líquida, enfim, que são títulos do mesmo autor, traduzem a ideia de pós-modernidade, em outras palavras. São releituras do pensamento marxista, desde Tudo que é sólido desmanchar no ar, de Marshal Berman.

O bom da leitura das ideias de Bauman, conhecido no Brasil principalmente por O mal-estar da pós-modernidade, é sua capacidade de transitar entre o frívolo e o denso. Ele valoriza os reality shows como manifestação genuína do comportamento humano, algo do qual não se pode fugir. Ele cita Big Brother e similares como indicadores certeiros de nosso mal-estar, de nossa liquidez e de como valorizamos a cultura da eliminação, da exclusão, da extorsão, a punição como norma e a recompensa como exceção.

O mundo líquido mostrado por Bauman é uma espécie de irrealidade dentro da qual estamos mergulhados, porque é um mundo de aparência absoluta, de ameaças que quase nunca se configuram como reais, mas que são alardeadas o tempo todo pelos meios de comunicação, pelos institutos de pesquisa, pelos arqueólogos do patógeno, por todos os ditadores de realidade. E aí temos de aderir ao movimento do inexistente para podermos existir.

“Há muito mais infortúnios sendo proclamados iminentes do que aqueles que acabam realmente ocorrendo”, diz Bauman. No mundo líquido moderno, diz o sociólogo, o discurso é de que “amanhã não pode ser, não deve ser, não será como hoje.” Tudo muda, tudo ameaça mudar, há “um ensaio diário de desaparecimento, sumiço, extinção e morte”. O mundo de hoje chama a atenção a cada instante para nossa fragilidade.

O mundo de hoje, diz o mestre da contemporaneidade, era para ser diferente do da Idade Média, isento de medo, desde o Iluminismo, desde a tomada do poder da ciência frente ao senso comum, ao discurso religioso (arrisco a dizer). Esta era a ideia. Mas vivemos num “imenso cemitério de esperanças frustradas”. Esta é nossa herança. “Vivemos de novo numa era de temores”, diz Bauman.

Além do medo instintivo da morte, da necessidade de sobrevivência, os humanos sofrem outro tipo de medo, o medo de “segundo grau”, o “medo derivado”, argumenta Bauman. Segundo ele, é um “sentimento de ser suscetível ao perigo”.

Os perigos de que se tem medo são de três tipos, segundo o sociólogo: os que ameaçam o corpo e as propriedades; os que rondam a durabilidade da ordem social, “e a confiabilidade nela, da qual depende a segurança do sustento (renda, emprego); e os que ameaçam “o lugar da pessoa no mundo – a posição na hierarquia social, a identidade (de classe, de gênero, étnica, religiosa).”

Como combater esse medo? Como buscar uma nova diretriz de vida em sociedade? O livro de Bauman é belo de se ler, mas sua função é mostrar a face do terrível, não de apontar soluções. Sua sociologia é a da leitura do real, de um tipo de realidade que esvai como a água, que escorre por entre os dedos. O livro de Bauman não mostra o material com o qual se pode fazer o dique.

“Os perigos que tememos transcendem nossa capacidade de agir; até agora não chegamos sequer ao ponto de podermos conceber claramente como seriam as ferramentas e habilidade adequadas a essa tarefa, que dirá conseguir começar a planejá-las e criá-las.” Ou seja, estamos ferrados.

Serviço

Título: Medo Líquido
Autor: Zygmunt Bauman
Editora: Jorge Zahar, 2008, 240 páginas
Gênero: Sociologia
Preço: R$ 32,00

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