No início do capítulo IV de Casa Grande & Senzala,
Freyre diz:
Todo brasileiro traz na alma “a sombra, ou pelo menos a pinta, do
indígena e do negro.” Depois, entre lengas e molengas, ele
completa: todo brasileiro (e aí, parece-me que ele já está
falando, eis a minha leitura, todo brasileiro branco, ou herdeiro da
brancura que fez desse brasileiro senhor) traz essa sombra ou essa
pinta, “na ternura, na mímica excessiva” (…), da “negra
velha que nos contou as primeiras histórias.”
E aí, ele continua lá na frente, “da que nos iniciou no amor físico
e nos transmitiu, ao ranger da cama-de-vento, a primeira sensação
completa de homem.” Aqui ele tá de sacanagem, né? Teria de dizer:
da que foi estuprada, aliciada, seduzida entre aspas, ameaçada para
ser levada para a cama pelo senhorzinho, fazendo-o homem e ela sendo
transformada em negra de cama, imagem que perdura.
Depois Freyre prolonga, em sua prosa deliciosa, digna de um Nobel de
Literatura.
Todo homem (todo brasileiro branco, ou herdeiro da brancura que fez
desse brasileiro senhor) traz essa sombra ou essa pinta “do moleque
que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo.” Fala sério!
Pergunte ao Brás Cubas. Melhor seria dizer: do moleque que foi nosso
primeiro brinquedo.
Mas, o mais importante a perceber nesse trecho é o pronome nós.
Freyre se inclui no discurso e demonstra que ele fala do branco
herdeiro da Casa Grande.
Eu quero é ver quando Zumbi chegar, nénão, Jorge! Queria ter um
amigo que voasse.
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