domingo, 23 de março de 2008

VINICIUS DE MORAES EM PLENA VOZ


Ele não foi apenas o poeta, também cantou e encantou, conquistou homens e mulheres – dentro de finalidades ímpares – e deixou como legado uma poesia ainda grávida de novidades, inexplorada, e um repertório menos rico em letras de música, nem por isso menos importante. A poesia de Vinicius de Moraes é sem dúvida melhor do que seus versos feitos para as canções que embalaram amores pelo mundo, como Garota de Ipanema.

Vinicius de Moraes foi aos poucos deixando o fazer poético que beirava o castelo de Axel, a torre de marfim, para criar uma poesia mais terrena e depois encarnar a figura popular que se tornou como compositor. Essa mudança trouxe descontentamento para alguns de seus amigos mais próximos como Sérgio Buarque de Holanda. Mas o autor das Cinco elegias gostava mesmo era de ser simples e por isso quis mudar.

O que mais encanta nele é esse mar de amenidades trazido ao público em entrevistas que agora podem ser lidas no livro Encontros – Vinicius de Moraes, organizado pelos escritores Sergiol Kohn e Simone Campos e publicado no ano passado. Muitas das informações e conceitos-chave da vida de Vinicius já tinham sido postas magistralmente na biografia O poeta da paixão, escrita por José Castelo, mas a série de entrevistas dadas pelo poeta entre 1967 e 1979 revela nas palavras do próprio como ele pensava e via o mundo em que surgiu como celebridade.

Sobre sua poesia, ele tenta explicar a possível razão de a acharem produto do romantismo tardio e sem valor para as novas gerações. “O que eu acho que faz com que as pessoas me considerem um poeta romântico é que a música para mim também é muito importante no verso. Talvez minha poesia cante mais que a do João (Cabral de Melo Neto), que a de (Carlos) Drummond. Não tem a aspereza da poesia do João, nem as nuanças psicológicas da poesia do Carlos. Para mim, o ritmo é muito importante e talvez por isso os poetas concretistas me acusem de superado.”

Galanteios e senso de humor

Vinicius dizia que era “um homem triste com uma grande vocação para a alegria”, que só sabia criar na tristeza e que a morte era sua grande musa. Controverso ser que cantava a alegria melhor do que ninguém, embora achasse que a alegria não era uma atmosfera de vida criadora.

Numa das entrevistas mais famosas de Vinicius, dada à escritora Clarice Lispector para a extinta revista Manchete, em 1967, ele demonstra seu potencial de galanteio ao dizer para a entrevistadora, num momento de silêncio e provavelmente com olhar e gesto corporal sedutores: “Tenho tanta ternura pela sua mão queimada.” O comentário de Lispector, publicado na revista foi: “Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.”

Foi nessa entrevista também que ficou famosa sua frase “detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata”. Expressão semelhante ele já havia usado para ironizar uma possível candidatura sua à Academia Brasileira de Letras. “Detesto tudo que me aperta, que me tolhe os movimentos. Deus me livre de ficar embalsamado dentro daquele fardão da Academia.”

Vinicius fã de Pixinguinha

Ao longo de todas as entrevistas, duas coisas chamam a atenção: sua eterna admiração por Pixinguinha, declaração feita em várias oportunidades e a maneira como é dada a transição de sua convicção de poeta para a de músico, já no final da vida.

Dizia que se houvesse um criador da Bossa Nova, esse seria Tom Jobim, mas “se não houvesse Pixinguinha, não haveria Tom.” Se pudesse, Vinicius canonizaria Pixinguinha, isso dito com suas próprias palavras. Essa admiração pelo compositor negro carioca não se restringia ao campo musical, alcançava a esfera daquilo que ele entendia como os melhores caracteres do humano encontrados num homem, de generosidade, genialidade e integridade. “Eu me considero um ser tão imperfeito. Quando me comparo assim a uma pessoa como Pixinguinha, como Menininha de Gantois”, dizia.

Do poeta ao músico, duas declarações mostram como Vinicius se via até a década de 60 e como se pintava no final da vida. Em entrevista de 1965, quando já não escrevia poesia com a intensidade de antes, dizia: “não sou especificamente músico, sou poeta. A música em mim é uma decorrência.” Mas, em 1979, diz: “Eu sempre fui músico, mas me achava fundamentalmente um poeta.” Ou seja, sua vida de poeta ficara para trás mesmo, mas isso não significa que visse sua própria obra poética como ultrapassada.

Profecias e influências do poeta

Vinicius gostava muito do Rio de Janeiro, chegando a escrever o Roteiro lírico sentimental da cidade do Rio de Janeiro. Isso não impedia de olhar criticamente para a sua terra natal. Em entrevista de 1973, depois de responder quais eram as piores cidades para se morar – São Paulo, Chicago e Milão –, ele disse: “O Rio está ficando realmente desagradável para viver, não é mais aquele Rio que conheci menino, rapaz. Hoje é uma cidade hostil. Ainda não chega a ser desumana, mas está perto disso.” Profecia que infelizmente se confirma nos dias de hoje.

Em outra entrevista, ele enumera suas principais influências:

“Na poesia foram meu finado pai (Clodoaldo Pereira da Silva Moraes), Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Júlio Dantas, Guerra Junqueiro, Castro Alves, na fase adolescente. Depois Manuel Bandeira, Jayme Ovalle, o Camões lírico, o romanceiro português, um pouco de Rilke, um pouco de Lorca, um pouco de Eliot, um pouco de Blake, um pouco de Whitman. E muito de Shakespeare e Rimbaud.”

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