Foto: Gilberto G. Pereira
Detalhe do palco da Ópera de Arame, casa de espetáculos de Curitiba, cidade que se tornou palco do enredo de Sanches Neto
Em
2010, o escritor paranaense Miguel Sanches Neto publicou o polêmico romance Chá das cinco com o vampiro, que
resenhei no semanário Tribuna do
Planalto, em Goiânia, mas não publiquei no Leituras. Acontece que o site do jornal foi reformulado e o texto
não aparece mais em seus arquivos online. Por isso, decidi publicá-lo na
íntegra aqui, equivalente a duas páginas.
...
“Gostei
muito de seu livro. Ele mostra quem somos de uma maneira meio rancorosa mas
bonita.” Esta frase poderia ser dita por qualquer leitor de Miguel Sanches
Neto, qualquer leitor atento e que gosta da boa literatura, aquele que sabe
passar por cima das tramas leves para atingir o cerne da questão estética, ao
ler seu romance mais recente (2010), Chá
das cinco com o vampiro (Objetiva, 2010, 286 páginas).
A
trama leve, neste caso, é aquela que acerta em cheio a vaidade de escritores
como Dalton Trevisan, Wilson Bueno e Fábio Campana, para citar os vivos (Wilson
Bueno faleceria ainda naquele). Em Chá
das cinco, Sanches Neto cria uma narrativa que vai do romance de formação
ao roman à clef. É nesta parte, chave
que liga a ficção com personagens reais, que o livro causou espanto e espalhou
o maior desgaste pela província literária de Curitiba.
Isto
porque ficou fácil identificar cada um dos modelos literários presentes no
romance. Mas Sanches Neto não é um escritor ingênuo. Se há rancor em seu
romance, há também, em caráter muito mais importante, uma construção literária
de grande valor, em que se pode ver a precisão técnica, a disciplina narrativa,
até mesmo como forma de se defender por ter criado uma ficção em cima do
universo que foi parte de sua vida por muito tempo.
Beto
Nunes é o narrador protagonista de Chá
das cinco com o vampiro. Ele conta a história de como, em 1988, saiu de
Peabiru, cidadezinha do interior do Paraná, aos 18 anos, para viver em Curitiba
e lá se enturmar com o mais venerado dos escritores brasileiros e seu séquito
de adoradores. Neste sentido, é um romance sobre a vaidade no mundinho das
letras.
Mas
é também o testemunho de um menino do interior, vivendo entre homens brutos,
como o pai, e predestinado a ser, de igual modo, bruto e livre do verniz fake
da civilidade, um menino inteligente e rebelde que na primeira oportunidade vai
para a capital e faz-se escritor de verdade, repaginando até certo ponto a alma
engessada que herdara da vida interiorana.
Em
Chá das cinco, Geraldo Trentini é o
escritor-deus curitibano, que procura ser bajulado por todo mundo, mas cujas
amizades não demoram muito a ser desfeitas, porque a vaidade do autor e sua
excentricidade, como a de ter criado em torno de si o mito de ser o vampiro de
Curitiba, não o permitem ter amigos para a vida toda. É ele que Beto Nunes
procura na capital e que, pela inteligência, mas, principalmente, por
demonstrar interesse e conhecimento da obra, é aceito em suas relações.
Qualquer
um poderia ser Trentini, mas a sugestão vampiresca e os hábitos rotineiros já
sabidos, a aversão a entrevistas, a reclusão e a característica de escrever
contos cada vez mais curtos não deixam dúvida de que se trata de Dalton
Trevisan, hoje com 85 anos (91 anos em 2016), considerado por muita gente o
maior escritor brasileiro vivo.
A
partir daí, tudo que se disser de Trentini será automaticamente atribuído a
Trevisan. As verdades e as mentiras do narrador protagonista bem como as
invenções criativas do próprio autor na composição de Chá das cinco, tudo será debitado na conta do vampiro. Beto narra o
primeiro encontro com Trentini da seguinte forma:
“—
Por favor!
—
Não sou quem você está pensando.
—
Sei que é.
—
Quem disse?
—
Li todos os seus livros.
—
Nunca escrevi livro nenhum.
Estamos
saindo da Galeria Groff e travamos esta pequena batalha. Na porta, prestes a
ganhar a rua, tento um último truque e minto, sou amigo de Valter Marcondes e
escrevi um artigo sobre você. Digo meu nome.
Ele
para e, pela primeira vez, me olha.”
Neste
momento, o narrador formula a tese no centro da qual fixa Trentini, mas sem
deixar de se incluir nela, mesmo sendo de um jeito enviesado. “O que destrói
uma pessoa, qualquer pessoa, por mais reservada que seja, é a vaidade. No fundo
estamos sempre querendo ser aceitos. Esperando a aprovação dos outros. E
fingimos indiferença ao mundo, ou mesmo ódio, até certo ponto. Há uma hora em
que nos rendemos.”
Beto
procurou ser aceito e foi. Durante anos, entre o primeiro encontro com o
vampiro, em 1992, até o desentendimento, no final dos anos 90, desfrutou da
companhia de Trentini. Numa relação temporal um pouco diferente, também Sanches
Neto conheceu Trevisan e também se afastou dele. Mas ao longo dessa
convivência, o autor de Chá das cinco
dedicou boa parte de seu exercício intelectual a entender a obra do autor de Novelas nada exemplares, tornando-se
vítima de uma influência de estilo que até hoje, até mesmo neste romance, está
presente.
Metralhadora
Em
função dessa convivência, Sanches Neto decidiu escrever sobre o assunto. Ao longo
da narração de Chá das cinco, vemos
uma metralhadora trabalhar: Trentini (Trevisan), mestre do passado, é um
escritor excêntrico, um vampiro que gosta de doce e não de sangue, um contista
inclinado a divagações exibicionistas, dono de um estilo antidiscursivo,
voltado ao interesse erótico pela realidade para escrever seus continhos
liliputianos.
Trentini,
na malhação de Beto, é um autor que não sabe se renovar e repete a mesma
fórmula batida, como quem suga o mesmo cadáver pela eternidade. Mantém uma vida
lastimosa e banal. Por isso mesmo, “esconder a intimidade mais ou menos
medíocre fez com que sua biografia crescesse. E talvez agora só lhe reste
manter o mistério”.
Da
turma que segue ou seguiu Trentini como mestre, ninguém escapou da verve
cáustica de Beto Nunes (Sanches Neto). Pela voz fanhosa e a sonoridade do nome,
fica fácil identificar Valério Chaves como sendo Valêncio Xavier, jornalista e
escritor de Curitiba que faleceu em 2008. “Não suporto o jornalista que se acha
escritor experimental por fazer colagens com desenhos e fotos de velhas
revistas e escrever sob elas um amontoado de asneiras”, diz Beto sobre Chaves.
Quem
leu Minha mãe morrendo e o menino
mentindo, de Xavier, é capaz de fazer coro com o alter ego de Sanches Neto.
“Texto é uma maneira generosa de definir o trabalho de Chaves”, repete Beto em
outra estocada. Orlando Capote (Fábio Campana) “se acredita escritor, apesar de
ter publicado apenas um romance sofrível”. Esta observação vale para a época
precisa desse trecho, final da década de 1990, não para hoje, quando Campana já
tem romances de valor literário.
Da
cena literária curitibana, Jamil Sneg é o único tratado com carinho e respeito.
Sneg, que aparece no romance como Antônio Akel, é sem dúvida o autor das
melhores crônicas sobre Curitiba e de um romance confessional fora do comum. O
grande crítico literário Wilson Martins, falecido no ano passado (2009), está
na trama como Valter Marcondes, e também é poupado, mas já havia se tornado o
grande “ídolo” do autor.
Uílcon
Branco (Wilson Bueno) é o mais terrivelmente pintado, junto com Valêncio
Xavier. Ele aparece como um homenzinho mesquinho, covarde e puxa-saco, um misto
de espertalhão e ser desprezível. “No começo, quando Uílcon era jovem aspirante
a escritor, morria de vergonha do pai ser motorista de ônibus e tentava
aparentar uma cultura que não tinha”, diz Trentini, numa conversa com Beto. Em
outra ocasião, o próprio Beto afirma que os livros de Branco são “um trabalho
minucioso de linguagem e uma ausência de verdade literária.”
Neste
ponto, o rancor do protagonista, talvez até se estendendo ao ponto de vista do
autor, não reflete todo o significado da literatura. O que é literatura senão
um “trabalho minucioso de linguagem”? O que seria a verdade, neste caso? Um
termo aristotélico que deveria ser melhor expresso como ‘verossimilhança
interna”.
Em
todo caso, Wilson Bueno é um autor que está à altura de Sanches Neto, sim.
Bueno é dono de um estilo muito particular que flerta com a poesia em volts
carregados. Exemplo disso é seu livro Meu
tio Roseno, a cavalo, uma novela belíssima que dispensaria a lembrança de
que Bueno viria a ganhar prêmios literários importantes.
Possivelmente
esteja aí o maior exemplo do uso de um conhecimento específico da teoria
literária para atingir uma vingança no romance de Sanches Neto. Por outro lado,
pode ser que o que disse Beto não reflita mais a opinião de seu autor, uma vez
que o conflito de egos, digamos assim, tenha acontecido bem antes de Bueno
publicar seus principais livros.
Embora
Sanches Neto tenha publicado Chá das
cinco só agora (2010), este trabalho vem sendo comentado desde 2004, quando
Trevisan ficou sabendo que uma biografia sua estaria sendo escrita por seu
ex-seguidor. Foi a gota d’água. Trevisan pôs os dentes em riste e desandou a
falar mal do ex-amigo, junto, claro, com o coro de seu séquito ordinário.
Viagem ao coração da maldade
Em
2004, Miguel Sanches Neto, já era considerado um grande crítico literário,
colunista do jornal Gazeta do Povo,
de Curitiba, e já tinha publicado Chove
sobre minha infância, romance que deu projeção nacional ao escritor. Nessa
época, ele escreveu a Carta aberta a
Dalton Trevisan, em que negava estar escrevendo qualquer biografia dele,
mas sim um romance que tratava da convivência dos dois e de mais uma multidão de
gente. Este se tornaria o Chá das cinco
com o vampiro, aventura intelectual que o autor chama de “viagem ao coração
da maldade.”
“O
novo romance foi escrito entre 2001 e 2003, sob um estado de espírito marcado
pela decepção. (...) Embora não seja exclusividade nossa, a grande marca do
paranaense é a intriga”, dissera o autor. A carta aberta acirrou ainda mais os
ânimos de Trevisan, que acabou escrevendo um poema esculachando Sanches Neto:
“Hiena papuda necrófila/ traveca de araponga louca da meia-noite// mente na
vírgula mente no pingo do i/ mente no bico fechado mente na carta aberta/
chorrilho merdoso de intriga e falácia.”
A
reação de Trevisan revela muito de sua alma ao leitor distante desta realidade
e, no plano da ficção, ajuda a entender porque Beto Nunes diz que Trentini é
dono de um “estilo corrosivo e impiedoso”. Desde que escreveu a Carta aberta, Sanches Neto, claro,
revisou várias vezes seu romance para chegar à maneira como foi publicado.
Ainda
em carta aberta, o autor diz: “Toda pessoa real, transposta para o mundo da
ficção, torna-se outra, e só existe ficção quando há esta alteridade.” É neste
sentido que o romance de Sanches Neto deve ser encarado pelo leitor. Como
escritor consciente que é, ele mesmo já havia concluído que se Chá das cinco “é contra os escritores
paranaenses, é também contra o próprio autor, que não pode se julgar acima dos
demais e que confessa aqui sua culpa, sua incomensurável culpa.”
Beto
Nunes, como alter ego do autor, é o mais bem desenhado, o mais corrosivo no plano
da criação literária em Chá das cinco.
Se Trevisan aparece como uma caricatura de seus atos repetitivos, como escritor
e como homem que construiu uma imagem que tomou conta de sua própria
existência, tornando-o mito, Sanches Neto é apenas a sombra na feitura de Beto
Nunes. Ali existe de fato um caráter novo. E é ele que conduz a trama.
Roberto
Nunes Filho (Miguel Sanches Neto), o mesmo número de caracteres para os dois
nomes, é filho da classe média rural de Peabiru. Seu pai tornou-se um
imprestável homem que vive apenas da renda das terras herdadas da família. Sua
mãe, submissa, não consegue amar o filho na presença do pai. A pessoa mais
importante na vida de Beto é sua tia solteirona, Ester, irmã de Roberto.
Ela
é sua mentora intelectual e sua iniciadora nos mistérios do sexo. Os dois
tiveram uma única relação sexual quando Beto tinha treze anos, em que ela
fingia que dormia e o sobrinho fingia-se de bobo enquanto penetrava a tia na
calada da noite. A complexidade do personagem de Beto está inserida em três
questões caras à obra de Sanches Neto: literatura, sexo e religiosidade.
“Sua
incomensurável culpa”, a do autor, por estar atuando como Judas, é expurgada de
forma simbolicamente violenta nas atitudes de seu alter ego. Beto é subversivo
ao extremo. Ele atua como um herege. Do ponto de vista moral, cada ato de sua
vida é uma heresia contra a família, contra os bons costumes e, principalmente,
contra o escritor-deus, Geraldo Trentini.
Relíquia
Numa
das cenas mais contundentes, que vão caracterizar esta imagem, o Beto
adolescente – que depois de ter cometido o incesto de segundo grau com a tia,
só pensa no alívio solitário do sexo – estupra um pão, símbolo da ceia cristã.
Em outra ocasião, quando vai acender uma churrasqueira, não hesita em umedecer
de álcool um pão velho e queimar junto com o carvão. “— Não pode fazer isso,
filho. — Isso o quê? — Queimar o pão. É o corpo sagrado de Cristo”, foi o
diálogo entre mãe e filho no desfecho da subversão.
Em
outro momento, Beto havia roubado a calcinha da tia para se masturbar sentindo
o cheiro daquela que o despertou para o mundo, e depois de muitas homenagens
decidiu recortar o fundilho da peça. “Aquela tira de tecido passou a ser meu
marcador de livros, o que fez com que tia Ester habitasse todos os volumes que,
por aquele tempo, eu lia.”
Ester
era uma mulher culta, que havia morado um tempo em Curitiba. Como mentora do
sobrinho, praticamente arranjou um jeito de ele ir para a capital e lá
construir sua carreira de escritor bem sucedido, coisa que ela não havia
conseguido fazer. No esquema narrativo de Chá
das cinco, há um jogo de efeito bem definido, em que Beto vai contando suas
peripécias de adolescente a caminho, enquanto, por outro lado, aparece em
feixes de textos no meio da narração central, o Beto já consolidado em
Curitiba, já amigo de Trentini e colunista do principal jornal da cidade.
Esse
jogo de cena entre o Beto adolescente e o escritor vitorioso, em que a cada
momento os dois se encontram na passagem de um capítulo para o outro, dá ao
romance uma dinâmica vigorosa e um exemplo da técnica narrativa de Miguel
Sanches Neto. O livro inteiro, nesse aspecto, aparece como uma espécie de
espelho em que reflete várias imagens do curso da jovem vida sendo percorrida.
O
garoto nu de civilidade, apenas com uma bagagem de leitura ainda pequena para
os padrões intelectuais de uma cidade média como Curitiba, chega à capital
paranaense, com roupas inadequadas, ar interiorano, e se depara com aquele
desfile de prédios altos. Curitiba também entra como um personagem, um tipo
nada elogiável aos olhos de Beto. A cidade é “um corpo de pele clara, silhueta
esguia e com uma solene indiferença ao meu ser escurecido pelo sol e pela
poeira.”
As
heresias do sexo, em meio a leituras e relações sociais, e a decepção do novo
escritor no final também flertam com os gostos estéticos de Trevisan, autor que
sem dúvida influenciou profundamente as escolhas de Sanches Neto. Por isso
mesmo estão inscritos ali autores da predileção do vampiro, como a
excentricidade de J. D. Salinger, a literatura de Tolstói, e até a citação de O complexo de Portnoy, de Philip Roth,
em que o comportamento sexual do protagonista também é extravagante.
A
referência a J. D. Salinger pode ser entendida quando Beto já bem sucedido,
cansado do joguinho de vaidades literárias, decide retornar ao campo. “Depois
de conviver com escritores por algum tempo, você acaba sentindo necessidade de
fazer parte da espécie humana, pois os deuses, os deuses cansam.” E vai embora.
Bíblico
Outras
duas características presentes na obra de Sanches Neto, inclusive neste
romance, marcam fortemente a influência que ele teve como escritor por Dalton
Trevisan, coisa que o próprio Sanches Neto não nega. Uma delas é a presença
forte de passagens da Bíblia, como os nomes de personagens ou temáticas que
remetem imediatamente aos princípios cristãos.
Além
de Ester, Beto teve outra mulher em sua vida que se chamava Ruth, outro nome
bíblico. Era uma prostituta, que aparece na trama para traduzir o caráter de
dualidade do romance. Ester foi a primeira mulher de Beto. Mas aos olhos do
pai, foi Ruth, porque quando o filho tinha lá seus 16 anos, o pai o levou para
prostíbulo com a intenção de iniciá-lo como ‘homem’, sem ter a menor ideia de
que sua irmã já tinha feito isso.
Essas
referências bíblicas têm a ver com Trevisan pelo fato de ter sido ele quem
sugeriu a Sanches Neto o estudo da Bíblia, na tradução de João Ferreira de
Almeida, como um elemento apurador do estilo. Essa história está contada numa
das crônicas de Herdando uma biblioteca.
Aliás, Herdando uma biblioteca é o
livro-chave de Sanches Neto, porque trata do exercício do apuramento do autor,
em que ele conta histórias de sua vida vivida, que posteriormente são
retrabalhadas em seus contos e romances.
A
insistência na reescritura é outra característica de Trevisan que está presente
em seu discípulo mais rebelde. Mas ao contrário do mestre, que reescreve o
mesmo texto em edições seguintes e, na opinião de Sanches Neto, vem
reescrevendo a mesma coisa desde há muito tempo, este retoca situações e cenas
de um texto para outro.
Autor
do primeiro time da literatura contemporânea, oriundo de família pobre e sem
estudo, Sanches Neto nasceu em Bela Vista do Paraíso, cidadezinha do interior
do Paraná, em 1965, e aos quatro anos se mudou para Peabiru, onde viveu a
segunda infância e a adolescência. Seu pai morreu quando ele ainda era criança
e aí teve de dividir a presença da mãe com o padrasto.
A
diferença de idade de Sanches Neto para seu alter ego em Chá das cinco com o
vampiro é de cinco anos. O que dá ao autor a liberdade de inventar cenários e
situações diferentes de sua real existência na linha do tempo e das
experiências vividas. De Peabiru mudou-se para Curitiba para tentar outra vida.
Foi quando conheceu Trevisan e passou a fazer parte de seu grupo.
Talentoso,
Sanches Neto logo começou a se destacar. Publicou um livro de poemas, Inscrições a giz, e foi estudar
literatura. Sempre na linha de influência de Trevisan, fez sua dissertação de mestrado
e a tese de doutorado, ambas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
estudando a obra do mestre, além de ter escrito vários artigos elogiosos sobre
o autor de O vampiro de Curitiba.
Atualmente
(em 2010), ele é professor de literatura na Universidade Estadual de Ponta
Grossa e crítico literário do jornal curitibano Gazeta do Povo e da revista Veja.
Em 2006, a diretora editorial do Grupo Record, Luciana Villas-Boas (atualmente
é ex-diretora do Grupo Record), que em Chá
das cinco aparece como Judith Bronfmann, já tinha dito que ele era um dos
autores mais importantes que ela havia descoberto.
A
Record é a mesma editora de Trevisan, mas Sanches Neto faz questão de dizer que
nunca pediu nenhum favor ao vampiro no sentido de facilitar sua vida de
escritor publicado. Em todo caso, o livro da discórdia mudou de rota e acabou
sendo publicado pela Objetiva.
Em
Chá das cinco, Beto dá a dica de
como Sanches Neto decidiu sair de Curitiba e da sombra de sua maior influência.
“A história literária está cheia de exemplos de personalidades fortes que
sufocaram aqueles que viveram à sombra de uma produção maior.” Em outro trecho,
o personagem completa: “Isolado, fui me familiarizando comigo mesmo, até
descobrir que apenas negando aquela admiração eu podia chegar a uma maneira
própria de fazer literatura.”
Antes
de decidir voltar para o interior, Beto tinha lançado Mãos Pequenas, que
retrata sua vida particular e de seus familiares. De fato é outro roman à clef, que na realidade é Chove sobre minha infância. No plano da
ficção, é sobre Mãos Pequenas que a tia Ester escreve para Beto e diz “seu
livro mostra quem somos de uma maneira meio rancorosa mas bonita.”
O
mesmo poderia ser dito de Chá das cinco
com o vampiro, que não é só uma detração. É também uma homenagem a Dalton
Trevisan e um exercício de superação. O autor de Capitu sou eu deveria se sentir orgulhoso de ter tido na vida um
discípulo da envergadura de Sanches Neto.
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