terça-feira, 8 de novembro de 2011

A beleza diária da música

Foto: Marco Novack


É doce ouvir A Banda Mais Bonita da Cidade, que acaba de disponibilizar seu primeiro álbum na internet para quem quiser escutar (clique aqui). A voz da única mulher do grupo, Uyara, se sobressai nas canções. O texto de um release anterior de divulgação da banda diz que “a vocalista baixinha cresce quando sobe ao palco e canta de forma emocionada.”

E é verdade. Mas os outros integrantes pontuam o tecido vocal ao longo das 12 músicas, ora fazendo back vocal, ora tomando o espaço da primeira voz. Há um jogo de vozes e estilo dentro da concepção do álbum homônimo que acaba sendo a assinatura da banda.

Entre a suavidade e a força muito bem dosada por Uyara, o ouvinte se deleita com a miscelânea de sons, a babilônia de batidas e estilos, baladas, blues, soul, toques mais voltados para a MPB e rock em letras que falam do cotidiano. A maioria das canções traz palavras comuns do dia a dia, mas vestidas de grande musicalidade, que é sempre o que faz a palavra cantada se tornar bonita.

Mas não é só isso. Junte-se a ela, a plasticidade do verbo. Não são palavras a esmo, há sempre uma intenção que atravessa a rima rumo à poeticidade elaborada em cima do comum, e até do patético. É visível a presença da literatura e do cinema nas composições.

“Solitária”, por exemplo, é uma música marcada cenicamente. É quase um curta metragem. A moça escreve ao namorado para falar de sua depressão, e esbraveja, chora, se sacode toda verbalmente, sem deixar de imaginar a reação dele, na leitura da carta, impávido.

A relação não deu certo, e ela quer acabar com tudo de um modo original. Quer se matar com uma lâmina de barbear. “Quando você ler esse bilhete/ Já estarei na rodoviária/ Quem sabe até na alta estrada/ Viajei pra um cidade/ Chamada solitária”, diz a letra, para mais adiante expor as vísceras num verso: “Vou cometer haraquiri/ Mesmo sabendo que nesse momento você ri.”

Notável
Tristeza, reflexão, celeridade urbana, depressão, amor, amor, amor sempre, como fruto inevitável das relações. Dor de amor, solidão e tristeza, em meio à beleza forjada e cantada pela Banda Mais Bonita da Cidade. É um trabalho notável, sim. Um grupo de jovens artistas que veio para ficar, sem dúvida.

Em “Mercadorama”, o cotidiano de Curitiba aflora nos versos. Mercadorama é uma rede de supermercados de médio porte muito conhecida na capital paranaense, onde moram os integrantes da banda. A canção fala de uma noite atípica de um jovem casal que vive o drama de cuidar do primeiro filho.

O álbum da BMBC é uma espécie de pop rock oxigenado, mas aí já é um rótulo, coisa que a banda não curte, e com toda razão. Suas canções são camaleônicas. “Aos garotos de aluguel”, por exemplo, flerta com o brega trazendo elementos de outros estilos, como o blues.

Outra coisa interessante desses jovens artistas é a importância que dão ao trabalho com a palavra. E neste caso, o álbum é avaliado pelas assinaturas das composições. A banda é essencialmente intérprete, mas seus integrantes sabem o que querem na hora de escolher as canções.

Eles escolhem bem os compositores, muitos deles amigos do grupo de longa data. O álbum inclui a canção “A balada da bailarina torta”, o primeiro hit da banda na internet, antes do estouro surreal de “Oração”. Essas duas canções são de Leo Fressato. Mas um outro parece roubar a cena no quesito belas letras: Luis Felipe Leprevost.

Ele está presente em quase todas as composições, e geralmente as mais belas. É compositor de “Solitária” e “Se eu corro”. Em todas as canções do álbum, as letras têm o que se pode chamar de consciência literária. Não é só um casamento com a melodia. A voz da letra salta para além dos arranjos.

Em “Se eu corro”, há uma homenagem clara a Roberto Carlos. A música traz uma voz masculina junto com a de Uyara, compondo um dueto maravilhoso. “Se eu corro/ Eu corro demais só pra te ver meu bem/ É que eu quero um socorro/ Se eu corro”

BMBC tem um som intimista. Não é de grande agitação, mas também oferece aos ouvidos uma inquietação, desperta uma vontade de cantarolar, como quem quer ser filósofo para pensar (e cantar) as coisas banais do cotidiano, que, no fundo, são as questões fundamentais. “Preciso cortar os cabelos/ Comprar mais um creme amarelo/ Retomar a semiótica/ Uma dieta de atleta/ Um protótipo uma meta/Uma nova ótica”.

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente na Tribuna do Planalto, 6 de outubro de 2011)

2 comentários:

Douglas Leís disse...

Realmente Gilberto, essa banda é diferenciada.
Eu não a conhecia, só tinha ouvido falar, até ir a um "retiro" onde em uma das brincadeiras "serenata para as meninas" nós cantamos "Oração" então procurei ouvir mais dessa banda e me surpreendeu, pois achei simples, mas ao mesmo tempo complexo, pois as letras não são vazias como as que vemos e ouvimos no cenário musical brasileiro, te levam a pensar e meditar em varias coisas e tratando a simplicidade cotidiana.
Gostei bastante do seu texto.
Abraço

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Douglas, pela visita e pelo comentário! Realmente, a BMBC é uma coisa boa na música, né. Abraço!