sexta-feira, 24 de abril de 2009

42 FRASES DE GRANDE SERTÃO: VEREDAS – a sabedoria de Riobaldo

Foto: Valquíria Gonçalves/ Divulgação
Paisagem de buritis: vista do Parque Nacional Grande Sertão: Veredas

Sabemos que a leitura nos dá a capacidade de olhar para dentro de nós mesmos por intermédio da palavra do outro. Ler é colher as palavras, é juntá-las na malha fina do entendimento para abrir brechas na espessura misteriosa do texto e da vida.

Separo aqui mínimos trechos da fala de Riobaldo ao longo de Grande sertão: veredas. É para todos nós que amamos a literatura e aprendemos com os grandes mestres que conhecimento é texto, é o tecido do espírito.


O senhor ache e não ache. Tudo é e não é ...

Passarinho que debruça – o voo já está pronto.

Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.

Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.

Deus é paciência. O contrário é o diabo.

O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.

A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?

Quem-sabe, a gente criatura ainda tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens é mandando por intermédio do diá?

O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo.

Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito.

Quem desconfia fica sábio.

Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão.

Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.

O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada.

Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem.

O jagunço Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui. Não fui! – porque não sou, não quero ser.

Eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! (...) Este mundo é muito misturado ...

Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho de Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.

A morte é para os que morrem.

A vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Vida devia de ser como sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho.

Preto é preto? branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade.

No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!

Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.

O bom da vida é para cavalo, que vê capim e come.

E sei que em cada virada de campo, e debaixo de sombra de cada árvore, está dia e noite um diabo, que não dá movimento, tomando conta.

Tudo que é bonito é absurdo – Deus estável.

Liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões.

Sertão é o sozinho.

Sertão: é dentro da gente.

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

Tudo que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito.

Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor.

Para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece.

Obedecer é mais fácil do que entender.

Onde é que está a verdadeira lâmpada de Deus, a lisa e real verdade?

Tive medo não. Só que abaixaram meus excessos de coragem.

O sertão é sem lugar.

Rir, antes da hora, engasga.

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só fazer outras maiores perguntas.

Somente com a alegria é que a gente realiza bem – mesmo até as tristes ações.

O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.

Leia também Mais 32 frases de Grande sertão: veredas.

36 comentários:

Unknown disse...

Gostei da ideia do blog! faltou uma frase fantástica deste livro: "Viver é um descuido prosseguido."

um abraço!

Gilberto G. Pereira disse...

É verdade, Alexandre. Esta frase é mesmo sem igual. Obrigado pela visita.
Abraço!

Unknown disse...

Parabéns pelo blog!

É um bálsamo ler e refletir sobre a sabedoria verdadeira do homem do sertão, que vive a vida sabendo que tem que ter coragem para vivê-la, mas com um lirismo que comove!

Sou mineira, graduada em Letras e mestre em Polítias Sociais e me identifico muito com essas 'coisas da terra'. foi uma alegria essa leitura.

Ruth Siffert
Belo Horizonte /MG
16/10/2009

Gilberto G. Pereira disse...

Oi, Ruth! Obrigado pelo comentário. Também me identifico com essa cultura, esse modo de pensar e de falar. Esse registro literário, desse modo como fez Rosa, é uma grande contribuição à vida. É uma celebração, né. Grande abraço!

Pris Marrenta disse...

ESSE LIVRO É UM CLASSICO QUE DEVERIA SER LIDO POR TODOS... APRENDE-SE MUITO COM ELE. JA O LI 3 VEZES E PRETENDO LER MAIS...
UMA FRASE IMPERDIVEL QUE ACHO NAO TER VISTO AQUI...

"O REAL NAO ESTA NO INICIO NEM NO FIM, ELE SE MOSTRA PRA GENTE É NO MEIO DA TRAVESSIA"...

Pris Marrenta disse...

ESSE LIVRO É UM CLASSICO QUE DEVERIA SER LIDO POR TODOS... APRENDE-SE MUITO COM ELE. JA O LI 3 VEZES E PRETENDO LER MAIS...
UMA FRASE IMPERDIVEL QUE ACHO NAO TER VISTO AQUI...

"O REAL NAO ESTA NO INICIO NEM NO FIM, ELE SE MOSTRA PRA GENTE É NO MEIO DA TRAVESSIA"...

Gilberto G. Pereira disse...

Oi, Pris! Obrigado pelo comentário, pela contribuição! É mesmo uma frase muita boa, que revla muito da literatura de Rosa, né, esse negócio de travessia, iniciação, mistérios que para acessá-los é preciso um rito de passagem. Um abraço!

Lari2m disse...

Rosa é para QUEM pode e quer, não é todo mundo que tem maturidade pra sentir que sim, VIVER É PERIGOSO

Gilberto G. Pereira disse...

Sem dúvida, Larissa!

Marilia Bahiense disse...

" O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".

Bem interessante perceber que cada um leu o "seu" Grande Sertão. Bom poder compartilhar :-)

Obrigada a todos

Gilberto G. Pereira disse...

Muito obrigado, Marilia! Um abraço!

Unknown disse...

'Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo"...

Marilac disse...

Oii Giba,
Cheguei aqui por acaso e me encantei com seu blog.
Maravilhosa a seleção de frases !
São lições de vida expressas de forma simples e que nos fazem refletir.

Abraços
Marilac

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Marilac! Abrç!

O caramonense disse...

Fantástico! Guimarães Rosa é sem explicação!

Unknown disse...

Bravo!
Saudações aos admradores dos nossos Herois, bem como Joao Guimaraes Rosa entre outros.
A infindável sensibilidade retífica, e variável de demonstrar a sua percepção da vida humana, e expor isso a um resultado que se dá a um lema " A riqueza da Pobreza ", trazer isso, ampliando a grandiosidade do cenário e do retrato da vida estéril em alguns acpectos no Sertão, me parece quase um sonho. Nao me parece que li, e leio o livro, me parece que eu mesmo vivi eses acontecimentos tratados neste. Esse climax, esse àpse, é incrível. " O que é bonito, é absurdo "

Se me permite gostaria de enriquecer e complementar com a frase:

" Se eu fosse filho de mais ação e menos ideia, isso sim, tinha escapulido, calado "

Excelente a sua iniciativa Giba, de explorar e compartilhar essas experiências de vida, do - Grandes Sertoes -, entre outros ilustríssimos autores que nos deram uma percepção de vida mais qualitativa e quem sabe (ouso eu) até mais "lírica", por que não.

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Diego. Valeu demais!

Décio disse...

Parabéns pelo blog. Fico feliz em ver a literatura brasileira e mundial espalhada com tanto amor e sublime poesia.

Um abraço.

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado Décio! Abraço!

Mirian Novais disse...

Sou muito fã do Guimarães Rosa,amo a literatura de paixão.

Heidi disse...

Desde a primeiríssima vez que me deparei com Grande Sertão :Veredas, uns pensamentos se formaram na minha ideia: como pode alguém viver sem ler esse livro? Como pode um amante de literatura que não sabe português viver sem esse livro? Como pode alguém não querer aprender português só para ler esse livro? Esse é para mim o livro de ler nima vida... O livro de ir lendo uma ou duas páginas por dia porque mais é insuportável de tanta beleza e sabedoria... À cada frase preciso pausar e ficar um tempo refletindo, por isso demora avida todinha!

Gilberto G. Pereira disse...

Concordo com você, Heidi, plenamente. Obrigado pelo comentário!

Unknown disse...

Lembro-me como textos introdutórios e minhas mestras de literatura unanimemente diziam-me: - "Leitura custosa, grande quantidade de páginas sem divisões por capítulos. Boa leitura, mas a se fazer do final para o início". Muito relutei antes de me embrenhar pela Grande Sertão e suas Veredas mas relato aqui minha surpresa: leitura extremamente agradável, sabedoria destilada pelo ex-jagunço e suas jagunçagens do todo para a vida. Recomendo.

Um dia ainda entra em desuso matar gente. Sou velho!

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Leandro! A Frase que você destaca também é muito boa! Mas o desuso ainda não chegou, né, infelizmente, ou sei lá. Morrer ou matar nunca é exatamente o problema, né, mas como se morre e por que se mata, embora, neste último caso, eu fico com Sartre, segundo o qual, matar um homem, por qualquer motivo que seja, é um mal.

Gilberto G. Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
RUBIA LAPA disse...

OI achei excelente a seleção de frases acrescentei essa que gosto muito "quem elegeu a busca não pode recusar a travessia
abraços RUBIA LAPA

Gilberto G. Pereira disse...

Muito obrigado, Rúbia, pela colaboração, pelo comentário! Abraço!

Rosana Ocampos disse...

Gostei muito do seu Blog. Admiro todos que incentivam a leitura. Parabéns
Rosana Ocampos

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Rosana! Seja sempre bem-vinda!

Celene Santana Oliveira disse...

Leitura encantadora. Parabéns pela sensibilidade!

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Celene! Abraço!

Unknown disse...

Vem das grimpas,da literatura nacional,iluminando os cenários dos Geraes,fabuloso alegorista, de histórias geniais,florindo na vereda roseana,a natureza mãe encontra seu altar,seguindo o tropel da raça humana, certo joão falou do homem, do viver e do sonhar. Da no coice da na guia dói coração,rodopia ventania,a vida bate feito fosse um pilão. O aboio ecoou, pelo universo como um sino a dobrar,atraindo o respeito e admiração, pela grandeza do sertão,Guimarães Rosa, matuto pensador, revela o mundo em travessia do amor. Diadorim chegou, o corpo foi molhar,o Urucuia vai mistérios resolver, pela água o corpo fechar, e a lua boia na tocaia do Prazer.

Renata disse...

"toda saudade é uma espécie de velhice,o amor,ja de si,e algum arrependimento."minha favorita.

Unknown disse...

Excelente escritor, exuberante e esplêndido!

Regina Bentancur disse...

gente, só agora conhecendo o Blog, muitooo bom!!! Chegou a dar saudades de Guimarães!!! Parabéns!!!
Regina

Unknown disse...

Estou aqui em Cordisburgo, na casa onde ele viveu até os 9 anos. Lugar mágico!