domingo, 11 de março de 2018

Decifra-me ou te devoro! e a riqueza da análise e das citações

Vera Tietzmann, escritora, pesquisadora e professora aposentada da UFG, por ocasião de
outro lançamento seu. Quem ler seu novo livro vai achar um biblioteca inteira dentro dele
 
  

O livro Decifra-me ou te devoro! – o mito grego na sala de aula (Cânone Editorial, 2017, 224 páginas), da professora Vera Tietzmann, escritora, pesquisadora e professora aposentada da UFG, é polifônico. Ele vai à Grécia buscar os registros mitológicos para jogar luz sobre a literatura moderna e contemporânea e mostrar o quanto essa mesma literatura está replena de atualização dos mitos gregos.

Elementos como origem e identidade, tempo e espaço, a questão do outro, o amor, a inveja, a vaidade, o poder, o destino, tudo isso vem sendo recuperado a partir da mitologia em romances, contos e poesia, e também levado ao cinema e à TV.

Além da fina análise que a autora faz dos mitos, outra coisa interessante que merece destaque são os inúmeros livros que ela cita como transportadores do legado grego, que é no fundo um legado da humanidade.

Vera consegue criar um amplo espectro da literatura brasileira, principalmente aquela voltada para o público jovem, mas também a que desperta mais o interesse dos adultos, como Machado de Assis, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, além de títulos importantes da literatura internacional.

O modo como a autora trabalha e divide seu pensamento neste livro deixa claro que suas referências mais ricas são a ideia de jornada do herói, criada por escolas como as de Mircea Eliade e Joseph Campbell, autor de O herói de mil faces e A jornada do herói, passando pelo estruturalismo de Vladimir Propp e pelos arquétipos de Carl Gustavo Jung, que o professor Junito de Sousa Brandão utilizou em belíssima obra sobre mitologia grega.

Análises e fontes

Entre as referências está, por exemplo, Édipo Rei, de Sófocles, fundamental para a análise do mito de Édipo e sua relação incestuosa. “Lendo o texto ou assistindo à sua encenação, não podemos deixar de nos perguntar: por que ainda hoje, passados tantos séculos, a tragédia de Sófocles ainda tem o dom de nos comover tanto? A resposta é porque ela fala de perto ao leitor quanto trata de problemas psicológicos que afligem grande parte das pessoas, especialmente na adolescência, como a busca da própria identidade, a força do destino, as rivalidades familiares, os tabus, os delitos involuntários e a autopunição como forma de expiação das culpas.”

Sobre a questão do tempo, há várias citações como a trilogia cinematográfica De volta para o futuro e a heptalogia do best-seller O cavalo de Troia, do espanhol J. J. Benítez, o romance Dom casmurro, de Machado de Assis, Campo geral e Uma estória de amor, de Guimarães Rosa, e Papos de anjo, livro infantil de contos, de Sylvia Orthof, em que há “conexões entre os tempos cronológico e cíclico, assim como destaca o papel da memória em romper os limites entre presente e passado.”

E assim segue a autora, com um desfile de ilustração que deve ser aproveitado pelo leitor. E pode ser aproveitado muito melhor, se o leitor visitar o livro de Vera. O leitor encontrará conexões da mitologia com livros como Metamorfoses, de Ovídio, Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, 1984, de George Orwell, O presidente negro, de Monteiro Lobato, A hora da estrela, de Clarice Lispector, O jardim secreto, de Frances Hodgson Burnett, livro infantil de 1911, cotado entre os mais importantes do gênero de todos os tempos, que virou um belo filme em 1993.

O tempo que o tempo tem, de Marisa Prado, Cavaleiros das sete luas, de Bartolomeu Campos Queirós, As cidades invisíveis, de Italo Calvino, Uma ideia toda azul, de Marina Colasanti, Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado, a campeão em referências no livro de Vera.

Sobre tempo e identidade, a autora sugere ainda livros como Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, Indo não sei aonde buscar não sei o quê, de Angela Lago, Alice e Ulisses e Bem do seu tamanho, de Ana Maria Machado, Guerra conjugal, de Dalton Trevisan, A chave do tamanho, de Monteiro Lobato, A máquina extraviada, de José J. Veiga, O ladrão de raios, primeiro volume da trilogia Percy Jackson e os olimpianos, do americano Rick Riordan.

Biblioteca

As dicas vão seguindo numa vertigem deliciosa, com nomes conhecidos do grande público e nomes menos óbvios da rica literatura infanto-juvenil brasileira. Sobre narcisismo e espelho, por exemplo, ela cita Doze reis e a moça no labirinto de vento e Eu sozinha, de Marina Colasanti, O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, Seminário dos ratos e As horas nuas, de Lygia Fagundes Telles.

O leitor achará um biblioteca inteira dentro do livro de Vera, e se tiver lido Umberto Eco, quando ele diz “uma biblioteca é a melhor imitação possível, por meios humanos, de uma mente divina, onde o universo inteiro é visto e compreendido ao mesmo tempo”, concordará.

Apesar de tantos títulos citados aqui, está longe de se esgotar o acervo da autora no livro em questão. Mas só para fechar o universo das referências dentro de Decifra-me ou te devoro!, mais alguns livros da indispensável Ana Maria Machado, como autora de ficção que atualiza os mitos gregos em narrativas incríveis:

O domador de monstros, De fora da arca, Histórias à brasileira, vol. 4, Uma história meio ao contrário, em que Ana Maria “em tom bem humorado, põe em questão, entre outras coisas, a estrutura dos contos tradicionais e o mito do amor eterno.” Neste caso, o livro que flerta com os contos de fada e a mitologia começa com a frase: “Então eles se casaram, tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre."

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