Vera Tietzmann, escritora, pesquisadora e professora
aposentada da UFG, por ocasião de outro lançamento seu. Quem ler seu novo livro vai achar um biblioteca inteira dentro dele |
O livro Decifra-me ou te devoro! – o
mito grego na sala de aula (Cânone Editorial, 2017, 224 páginas), da professora Vera Tietzmann, escritora, pesquisadora
e professora aposentada da UFG, é polifônico. Ele vai à Grécia buscar os
registros mitológicos para jogar luz sobre a literatura moderna e contemporânea
e mostrar o quanto essa mesma literatura está replena de atualização dos mitos
gregos.
Elementos como origem e identidade, tempo e espaço, a questão do outro, o
amor, a inveja, a vaidade, o poder, o destino, tudo isso vem sendo recuperado a
partir da mitologia em romances, contos e poesia, e também levado ao cinema e à
TV.
Além da fina análise que a autora faz dos mitos, outra coisa interessante
que merece destaque são os inúmeros livros que ela cita como transportadores do
legado grego, que é no fundo um legado da humanidade.
Vera consegue criar um amplo espectro da literatura brasileira, principalmente
aquela voltada para o público jovem, mas também a que desperta mais o interesse
dos adultos, como Machado de Assis, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, além de títulos importantes da literatura
internacional.
O modo como a autora trabalha e divide seu pensamento neste livro deixa
claro que suas referências mais ricas são a ideia de jornada do herói, criada
por escolas como as de Mircea Eliade e Joseph Campbell, autor de O herói de
mil faces e A jornada do herói, passando pelo estruturalismo de Vladimir
Propp e pelos arquétipos de Carl Gustavo Jung, que o professor Junito de Sousa
Brandão utilizou em belíssima obra sobre mitologia grega.
Análises e fontes
Entre as referências está, por exemplo, Édipo Rei, de Sófocles, fundamental
para a análise do mito de Édipo e sua relação incestuosa. “Lendo o texto ou
assistindo à sua encenação, não podemos deixar de nos perguntar: por que ainda
hoje, passados tantos séculos, a tragédia de Sófocles ainda tem o dom de nos
comover tanto? A resposta é porque ela fala de perto ao leitor quanto trata de
problemas psicológicos que afligem grande parte das pessoas, especialmente na
adolescência, como a busca da própria identidade, a força do destino, as
rivalidades familiares, os tabus, os delitos involuntários e a autopunição como
forma de expiação das culpas.”
Sobre a questão do tempo, há várias citações como a trilogia
cinematográfica De volta para o futuro e a heptalogia do best-seller O
cavalo de Troia, do espanhol J. J. Benítez, o romance Dom casmurro,
de Machado de Assis, Campo geral e Uma estória de amor, de
Guimarães Rosa, e Papos de anjo, livro infantil de contos, de Sylvia
Orthof, em que há “conexões entre os tempos cronológico e cíclico, assim como
destaca o papel da memória em romper os limites entre presente e passado.”
E assim segue a autora, com um desfile de ilustração que deve ser
aproveitado pelo leitor. E pode ser aproveitado muito melhor, se o leitor
visitar o livro de Vera. O leitor encontrará conexões da mitologia com livros
como Metamorfoses, de Ovídio, Admirável mundo novo, de Aldous
Huxley, 1984, de George Orwell, O presidente negro, de Monteiro
Lobato, A hora da estrela, de Clarice Lispector, O jardim secreto,
de Frances Hodgson Burnett, livro infantil de 1911, cotado entre os mais
importantes do gênero de todos os tempos, que virou um belo filme em 1993.
O tempo que o tempo
tem, de Marisa Prado, Cavaleiros das sete luas,
de Bartolomeu Campos Queirós, As cidades invisíveis, de Italo Calvino, Uma
ideia toda azul, de Marina Colasanti, Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana
Maria Machado, a campeão em referências no livro de Vera.
Sobre tempo e identidade, a autora sugere ainda livros como Cem anos
de solidão, de Gabriel García Márquez, Indo não sei aonde buscar não sei
o quê, de Angela Lago, Alice e Ulisses e Bem do seu tamanho,
de Ana Maria Machado, Guerra conjugal, de Dalton Trevisan, A chave do
tamanho, de Monteiro Lobato, A máquina extraviada, de José J. Veiga,
O ladrão de raios, primeiro volume da trilogia Percy Jackson e os
olimpianos, do americano Rick Riordan.
Biblioteca
As dicas vão seguindo numa vertigem deliciosa, com nomes conhecidos do
grande público e nomes menos óbvios da rica literatura infanto-juvenil
brasileira. Sobre narcisismo e espelho, por exemplo, ela cita Doze reis e a
moça no labirinto de vento e Eu sozinha, de Marina Colasanti, O
retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, Seminário dos ratos e As
horas nuas, de Lygia Fagundes Telles.
O leitor achará um biblioteca inteira dentro do livro de Vera, e se tiver
lido Umberto Eco, quando ele diz “uma biblioteca é a melhor imitação possível,
por meios humanos, de uma mente divina, onde o universo inteiro é visto e
compreendido ao mesmo tempo”, concordará.
Apesar de tantos títulos citados aqui, está longe de se esgotar o acervo
da autora no livro em questão. Mas só para fechar o universo das referências
dentro de Decifra-me ou te devoro!, mais alguns livros da indispensável
Ana Maria Machado, como autora de ficção que atualiza os mitos gregos em
narrativas incríveis:
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