Figura conhecida da cena artística e
intelectual brasileira desde sempre, um dos grandes da dramaturgia brasileira, Antônio
Abujamra é uma espécie de bruxo. Como o teatro não gosta de mim, conheço-o
apenas da televisão desde Que Rei Sou Eu?,
telenovela da Globo de 1989, replena de personagens inesquecíveis, incluindo o
Ravengar, um malévolo e interessantíssimo bruxo interpretado por ele.
No final da década de 90, lá no século
passado, Abujamra apareceu com Provocações,
programa de entrevistas na TV Cultura, fazendo perguntas simples, mas que
requerem do entrevistado um revirar de olhos para buscar respostas no caroço da
alma. Dotado de inteligência e verve, ele sempre cria tiradas provocativas,
irônicas, sarcásticas, engraçadíssimas. Um dia, perguntou para Modesto Carone: “Nesse
país que ninguém lê, quem te lê?”
Às vezes, levanta a bola do entrevistado
só para lhe dar uma rasteira. Pergunta, por exemplo, “que tipo de experiência
você teve com a felicidade?”, e a pessoa, incauta, responde “tive várias”, e
ele então diz: “Cite três.” Durante muito tempo, vi Abujamra, o velho Abu, com
esse recurso de retórica provocativa. Passei um tempo sem vê-lo, e depois de eu
mesmo dar a volta ao mundo da leitura em busca de aventuras verbais, reencontro
Abujamra com um novo truque.
Ao se deparar com alguém muito esperto
nas respostas, ele pergunta no final da entrevista: “Fulano, o que é a vida?” “A
vida é uma droga alucinógena”, alguém responde. E ele pergunta de novo: “O que
é a vida?” “A vida é o ar e seu redor.” “Fulano, o que é a vida”, insiste Abu,
repetindo a pergunta à exaustão porque sabe que ninguém dará uma resposta
satisfatória.
Mas tentar responder o que a vida é pode
ser um ótimo exercício de consciência existencial. Em sua pergunta, talvez
Abujamra queira apenas uma resposta shakespeariana: “A vida é uma sombra
caminhante”. Mas eles hesitam. Ninguém sabe o que é a vida. Tampouco eu, muito
menos eu. O que é a vida? É o fugaz movimento entre o trauma do nascimento e o
último fôlego trazido pela morte. O que é a vida? É o suspiro de Deus.
O que é a vida? Deve ser alguma coisa
entre sopros e barros, poeira úmida que se junta em torno de uma alma. Um
fenômeno orgânico que se dá no intervalo da existência entre o não mais e o não
ainda. Uma partícula mínima que por força da gravidade e das interações
moleculares distribuiu matéria ao som (em fúria) de alguma música do universo.
Talvez seja isso. A vida vai surgindo em meio à lama primordial, ganhando seiva, caule e raiz, massa e sangue, osso e músculo, subindo impulsionada por uma pressão organizadora e passageira, que faz esta mesma vida pulsar, mas depois diminui e perde a potência, fenece, deixando apenas um rastro na memória de outros feixes de vida que a carregam até se extinguir para sempre.
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