quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Emoção e conteúdo

Nos últimos anos, o jornalismo tem sofrido uma gigantesca transformação na tentativa de reconquistar seu público, uma multidão de refugiados que buscou abrigo sobretudo na internet, atravessando o infomar das mil e uma plataformas que coexistem na virtualidade da web, entre textos, vídeos, imagens e sons, hipertextos em inúmeros cruzamentos. Para tanto, deixa o velho mito da objetividade para encarar o objeto da notícia como algo que se conecta melhor com o humano quando oferece algum tipo de emoção.

Não que a objetividade tenha ficado para trás, mas parece que os grandes jornais brasileiros estão percebendo hoje que a interpretação do que é ser objetivo estava equivocada. A objetividade não é uma espécie de foco no esplendor do objeto, como se limpássemos o fato noticioso das nódoas do humano, como se a voz do repórter fosse uma mancha no alvo tecido da notícia.

No jornalismo, objetividade não é antônimo de subjetividade, esta sim, uma relação esplendorosa do sujeito com o objeto e consigo mesmo. Objetividade significa precisão na informação, é dizer a notícia sem rodeios desnecessários, mas isso não tira a possibilidade dos recursos de linguagem, como uma boa metáfora ou relações de contiguidade. No Brasil, as grandes revistas já faziam isso, herança do Novo Jornalismo americano, o Jornalismo Literário (não falo dele aqui, falo de uma versão light dessa linguagem, a diferença talvez seja de graus).

As reportagens publicadas pelo jornal O Popular (de Goiânia) na série Ilustríssimos Anônimos, por exemplo, são um exercício desse tipo de linguagem, que a rigor pode ser aplicada à maioria dos textos jornalísticos. Além de não perder a objetividade, não deixa escapar a riqueza da relação entre sujeito e objeto, e essa relação se dá pela conectividade da emoção. Não precisa ser um texto extenso, pois basta uma palavra (le mot juste, à Flaubert) para que um parágrafo se ilumine.

Sempre queremos nos conectar ao outro, e o modo mais profundo de conexão é pela emoção. A arte – sobretudo aquela que lida com narrativas, como literatura e cinema – e a publicidade sabem disso e utilizam-na a seu modo. O jornalismo vem descobrindo isso também, buscando a empatia sem perder o foco da informação. Na esfera da notícia, é preciso acima de tudo informar, mas se dá para fazê-lo trazendo a notícia em uma cápsula cujo tecido é a emoção, o afeto humano, o riso, o choro, a razão do drama, o motivo da alegria, a conjuntura do trágico, tanto melhor, porque expõe-se aí a nervura da vida.

Todo grande jornal – de qualquer mídia – deve ter uma equipe preparada para ir a campo buscar a informação viva, pulsante e carregada de controvérsias que o jornalismo se encarregará de esclarecer, apurar, e entregar a seu público retirando os excessos de contradição, mas não a emoção da vida que pulsa nessa informação. Este pode ser o contraponto do jornalismo de gabinete.

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 29/08/2015)


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