quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Eu queria ser Vinicius de Moraes

Lucinha Proença e Vinicius de Moraes

Em uma das cartas que enviou para sua irmã, e que está presente na coletânea organizada por Ruy Castro, Vinicius de Moraes (1913-1980) descreveu o uso poético que queria fazer de sua própria vida, que ele mesmo disse ser regra que não é regra. “Só andar na ponta dos pés. Só ser delicado. Só aceitar o inaceitável. Só criar em alegria, e sobretudo: só ser íntimo.”

Só ser íntimo. Eis uma coisa difícil. A intimidade expõe a alma do sujeito, tal como ela é, sem subterfúgios. Mas era Vinicius. E se existiu uma coisa exposta por ele em sua inteireza foi sua alma, alma de poeta, diga-se, mas diferente de tantos outros grandes poetas brasileiros, como João Cabral de Melo Neto, para ficar no hall dos diplomatas e sedutores.

No dia 19 será celebrado o centenário de nascimento de Vinicius de Moraes, um poeta que admiro. Diria mais. Queria sê-lo, não pelas mulheres que teve, e foram tantas e tão bonitas, nem pelos uísques que bebeu, e foram tantos e tão dionisíacos, nem pela poesia que fez, que é uma das que mais aprecio em língua portuguesa. Queria ser Vinicius de Moraes pela capacidade incrível que ele tinha de compreender as pessoas, e depois, como consequência disso, amá-las e conquistá-las.

Vinicius não teve inimigos. Teve, isso, sim, alguns antagonistas, mas não por causa de sua vida, só por causa de sua poesia, etérea demais, depois chã demais, diziam. Os concretistas não gostavam disso. Não gostavam porque não queriam entender, eram intelectualizados demais. Não que ele não fosse.

Se fizéssemos um aperto imaginário, como quem torce roupa, nos poemas de Haroldo de Campos, sairiam tintas de todos os matizes, uma beleza multifônica, uma dialogia trincante e fluorescente. Mas a poesia de Vinicius, se a torcêssemos imaginariamente, sairiam dali sangue em meio à morte e à vida, o fôlego, o ritmo absoluto da existência pulsante.

Queria ser Vinicius de Moraes por essa capacidade de sentir a vida intensamente que ele nos mostrou em versos, esse rasgo de luz em meio à escuridão, essa capacidade de transformar a tristeza em alegria, de expandir uma bolinha de gude em um universo inteiro.

Queria ser Vinicius por ele ter vivido o amor nas suas esferas mais humanas, por ter passado por esse mundo e feito minguar a pobreza de nosso coração, dando-nos a oportunidade de diminuir o índice do analfabetismo afetivo. Tinha alma de poeta, e isso equivale a dizer que possuía a destreza para transitar entre o homem e a criança que também era. Para ser Vinicius seria preciso ser poeta. Era isso que ele era, e era o que dizia ser, embora no fim da vida tenha se considerado sobretudo músico.

Tinha o dom de aliar o rigor da forma, como nos sonetos, ao estilo do nonsense infantil e divertido, como nas canções da Arca de Noé e nos poemas em que brinca com a morte, beija-a, afaga-a, íntimo. Por isso, só por isso, eu queria ser Vinicius de Moraes. O resto seria mera consequência.

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 04/10/2013)

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

De amizades e livros: trecho de reportagem sobre Philip Roth


“Philip Roth teve seu primeiro livro editado por Veronica Geng antes que os dois se encontrassem pessoalmente e se tornassem amigos rapidinho – ou, como o próprio Roth relembra: 'Quando começamos a nos fazer rir”.

Geng era editora desta revista (The New Yorker), além de uma escritora de aguçadas sátiras sociais, quando escreveu para Roth no final dos anos 70, dizendo o quanto admirava sua obra e perguntando se ele não tinha alguma coisa que a New Yorker pudesse publicar.

Quinze anos antes, Roth tinha aparecido nestas páginas (da New Yorker), mas a revista já tinha sido considerada o país de (John) Updike. Roth diz que ali concluíra que o poder local 'Não gostava dele'.

(15 anos depois) Roth não tinha um conto para oferecer naquele momento. Mas tinha acabado de escrever um romance, The Ghost Writer (que em português saiu com um título imbecil: Diário de uma ilusão), e ele o enviou para Geng ler.

A reação dela, disse mais tarde a Roth, foi marchar rumo à mesa do editor da revista, William Shawn, colocar o manuscrito sobre a mesa e dizer: “temos de publicar o livro todo” (“We should publish the whole thing.”).

The New Yorker publicou o livro todo, em dois números, no verão de 1979, colocando-o na ilustre companhia de Hiroshima, de John Hersey, Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt, A sangue frio, de Truman Capote, e Primavera silenciosa, de Rachel Carson, livro este que nos alertou para um apocalipse ambiental.”

Este é o trecho de uma reportagem muito boa sobre Philip Roth e seus amigos, na revista The New Yorker, por Claudia Roth Pierpont, intitulada O livro do riso. Pena que não se pode ter acesso total se não for assinante, como não sou. Esse aperitivo é para nós, leitores do Giba, com uma tradução modesta (perdoem).